Crítica
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Sinopse
Em Rivais, uma das principais responsáveis por transformar seu marido num campeão mundial de tênis, a treinadora Tashi enfrenta um adversário inusitado: seu ex-melhor amigo e ex-namorado.
Crítica
Luca Guadagnino sabe bem o que pretende com Rivais. Este é, portanto, o maior mérito do filme. Afinal, por mais que seja construído como um triângulo amoroso, essa é a história de uma dupla. Art e Pat são melhores amigos, criados juntos, ambos buscam o mesmo para suas vidas: a vitória e a garota mais bonita da festa. No entanto, mais do que isso, o que almejam é o outro. É terem para si a atenção, o desejo, a admiração daquele que está sempre ao seu lado. E por mais que o diretor não se exima em concretizar esse querer em imagem, ele também não se permite se perder naquilo que seria um caminho fácil, porém por demais confortável. Afinal, fala-se aqui de atletas, competidores que a todo instante almejam provar, tanto para si, como para o mundo, quem é o melhor naquilo a que tanto se dedicam. E assim, tal qual um quebra-cabeça dos mais elaborados, as peças vão se juntando entre idas e vindas, entre passado e presente, abraços e partidas que somente quem está no centro dos acontecimentos conseguirá dar o devido valor. Não apenas os que passam por esse turbilhão de emoções. Mas também aquela que a tudo presencia e, quando necessário, altera a ordem dos fatores. Uma observadora privilegiada, mas, em última instância, não mais do que isso.
Art e Pat estão em lados opostos da quadra. O primeiro é o grande astro. É aquele cujo rosto estampa outdoors e marcas famosas. É a atração principal do torneio, a quem as atenções se dirigem, pelo qual a maioria torce e a vitória é dada como certa. O segundo, no entanto, é o desafiante. É o desconhecido, o que teve chance de ser campeão, mas deixou passar as oportunidades. É por quem os mais curiosos questionam sua origem, ou mesmo como foi parar nessa posição, frente a um nome tão forte. Guadagnino, fazendo uso de um roteiro escrito por Justin Kuritzkes, não está preocupado em expor de onde estes dois vieram. Sabe-se que não vêm de lares humildes – afinal, o tênis não é um esporte para os desprovidos de recursos. Então, se Pat não tem nem o suficiente para pagar um quarto de hotel, enquanto Art e sua família estão hospedados e suítes luxuosas nos mais altos andares, é fato que os caminhos que ambos percorreram foram os mais distintos possíveis. Ainda mais quando se torna evidente o fato de que começaram juntos. Como colegas. E amigos.
Entre eles, portanto, não esteve uma competição, um lance acirrado, uma bola mal jogada ou uma técnica ensaiada às pressas. Ou, por outro lado, talvez tenha sido exatamente isso, porém não no saibro, mas na vida real, longe dos olhares de juízes e admiradores. Pois em um momento bastante específico, os dois dirigiram suas atenções numa mesma direção. Foi quando Tashi apareceu. Ou melhor, quando dela eles se aproximaram. Afinal, todos já a conheciam. A maior estrela do tênis amador, uma revelação feminina, invejada e aplaudida na mesma proporção. Ela, sim, sabia que precisava de apenas uma coisa: vencer. Era esse o seu objetivo. E quando ficou claro que não conseguiria atingi-lo por conta própria, se viu forçada a apostar todas as suas fichas em um só cavalo. A corrida, enfim, não para. Não há intervalo ou sequer descanso. O relógio segue girando, um segundo após o outro. A decisão parece ser delegada a uma questão de sorte, mas não há dúvida de quem está no controle. E se por um instante lhe parecer que suas chances diminuíram, que uma eventual hesitação está prestes a se manifestar, não duvide: um troca poderá ser feita sem olhar para trás.
Se os jogadores são apenas marionetes sendo manipulados por um interesse superior, é também porque se permitem assumir tais condições. É o modo que encontram, afinal, para realizar o que mais ambicionam: não apenas terem um ao outro, mas serem a razão e a finalidade daquele que tanto pode ser o melhor amigo, como o pior oponente. Kuritzkes é casado com Celine Song, cineasta indicada ao Oscar pelo sensível Vidas Passadas (2023), e muito dessa delicada visão ele traz para sua abordagem, sendo que a passagem durante a qual isso fica mais evidente se dá ao som de “Pecado”, canção entoada em espanhol por Caetano Veloso. Vivida com impressionante controle por Zendaya, em seu primeiro personagem no cinema que vai além da superfície, Tashi é fúria e conquista, independente de quem tenha que abrir mão pelo caminho. Por outro lado, Art e Pat são dois lados de uma mesma moeda. Mike Faist faz do herói alguém que jogou com as peças que encontrou ao seu alcance, e com elas foi em busca do seu melhor. Porém, está cansado de tanto esforço, de se manter sempre alerta, questionando se o que recebeu em troca justificou o investimento. Por fim, Josh O’Connor faz deste tipo sem eira, nem beira, um verdadeiro agente do caos, ciente de sua capacidade e poder de atração. E mais do que isso, disposto a usar destes recursos tanto na sedução, como no seguir em diante.
O desejo sempre teve forte presença no cinema de Luca Guadagnino. E, invariavelmente, esse se manifesta através da introdução de um elemento externo, seja um ex conquistador, o aluno estrangeiro ou mesmo um vampiro. Em Rivais, é a figura feminina responsável por riscar o fósforo que irá acender o pavio, mas de nada ela conseguiria se não houvesse por ali pólvora suficiente para uma explosão que estava pedindo para acontecer. De modo sexy e envolvente, o diretor vai além do trânsito destes corpos e de diálogos que escondem mais do que revelam para dotar sua obra de insuspeita profundidade. Para isso, recorre a recursos que vão desde a eletrizante trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross (dupla vencedora do Oscar por A Rede Social, 2010, e por Soul, 2020), que serve tanto para elevar a tensão do jogo como para despertar a troca de afetos, até uma muito bem elaborada montagem, cortesia de Marco Costa (atual parceiro do cineasta, com quem havia trabalhado em Até os Ossos, 2022, e na série We Are Who We Are, 2020), capaz de propor um intrincado painel de sentimentos e desilusões, chegando à fotografia de Sayombhu Mukdeeprom (Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas, 2010) que mergulha o espectador na pele dos personagens. Enérgico e visceral, eis um filme comprometido com a experiência proposta pela cinefilia, estendendo-se para o além câmera enquanto anseio, luxúria, superação e estratégia. Uma batalha que não acaba nem após o último saque.
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