Crítica
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Sinopse
Um produtor musical norte-americano meio fracassado não tem meios de sair do Afeganistão. É então que ele descobre uma adolescente de voz angelical. O sujeito vai tentar levá-la para a capital num programa de calouros.
Crítica
Ao longo de quase quatro décadas, o cineasta Barry Levinson construiu uma carreira prolífica e diversificada, transitando por gêneros distintos: de dramas premiados, como Quando os Jovens se Tornam Adultos (1982), Rain Man (1988) e Bugsy (1991), passando pela fantasia/ficção científica em O Enigma da Pirâmide (1985) e Esfera (1998), e até pelo terror com The Bay (2012). Mas é mesmo no ambiente da comédia que o diretor dedica-se a realizar mais experiências, como este seu mais recente trabalho, Rock em Cabul. Aqui, o diretor revisita alguns elementos já familiares à sua filmografia, como o panorama de guerra presente em Bom Dia Vietnã (1987) e, principalmente, o tom farsesco que permeia vários de seus longas, como Candidato Aloprado (2006) ou o excelente Mera Coincidência (1997).
Levinson reúne estas ferramentas para contar a história de Richie Lanz (Bill Murray), um empresário musical decadente que ainda confia em seu dom profissional e vislumbra uma grande volta por cima. Certa noite, durante a apresentação de Ronnie (Zooey Deschanel), sua principal (e aparentemente única) cliente, ele recebe uma proposta para excursionar com a garota, realizando shows para as tropas norte-americanas no Afeganistão. Precisando do cachê, os dois embarcam para Cabul, mas chegando à cidade, a cantora entra em pânico e abandona Richie, levando seu dinheiro e passaporte. Impossibilitado de retornar aos EUA, o empresário acaba conhecendo uma jovem local que sonha em participar do reality show Afghan Star, um encontro que poderá mudar a vida de ambos. O início é promissor, mostrando Richie numa divertida audição com uma possível cliente, estabelecendo uma boa dinâmica com Ronnie e dando liberdade para que Murray esbanje seu carisma e talento ao proferir diálogos soltos e em tom de improviso. Infelizmente, esta introdução dura pouco e, ao desembarcar em Cabul, o longa apressadamente direciona seu foco para o choque cultural. A partir daí, Levinson caminha cambaleante pelo terreno delicado do humor politicamente incorreto. Por vezes o filme se arrisca e consegue boas sacadas, mas na maior parte do tempo cai em piadas óbvias e estereótipos envelhecidos sobre o Oriente Médio. Murray mantém-se fiel a sua persona e busca extrair o máximo de cada situação, mas as figuras que cercam Richie pouco colaboram.
Praticamente todos os coadjuvantes são mal desenvolvidos e subaproveitados. Desde a Ronnie de Deschanel, que desaparece abruptamente da trama, passando pelo mercenário Bombay Brian interpretado por um Bruce Willis pouco interessado, ou mesmo o motorista de táxi que se torna intérprete e escudeiro de Richie. A única que ganha alguma real importância é Merci, a prostituta vivida por Kate Hudson. Ainda que unidimensional, é da relação da personagem com o protagonista que surgem alguns dos momentos mais iluminados do longa, como sua apresentação na piscina de uma boate ou a noite de sexo que termina com Murray fantasiado de Marilyn Monroe. Merci também colabora diretamente para o desenrolar do ato final, quando Levinson conduz Richie para uma jornada de redenção. O cineasta adota um ar mais sério para narrar a porção baseada em fatos de sua história, quando Richie encontra em Salima (Leem Lubany) – a garota afegã de bela voz que deseja mostrar seu talento – a chance de provar que seus "ouvidos mágicos" ainda funcionam. Abre-se também a possibilidade para debater novos tópicos sócio-culturais, e mais uma vez Levinson demonstra indecisão em sua abordagem. Trata-se com ironia da interferência norte-americana nos conflitos do Afeganistão – como os traficantes de armas vividos por Scott Caan e Danny McBride – mas coloca-se Richie como figura central na resolução de um destes embates. Critica-se a opressão às mulheres do país, com Salima encontrando a libertação através da música, mas a imposição ocidental prevalece e a garota só interpreta canções em inglês – ainda que sejam de Cat Stevens, cantor convertido ao islamismo.
Em meio a tantas oscilações, Levinson é capaz de conceber cenas mais elaboradas, como o longo plano estático de dentro do carro de Bombay Brian que registra a tomada de consciência de Richie, ou o desfecho de sua tentativa em negociar a paz na aldeia de Salima. Mas são sequências isoladas. Ao final, resta o empenho de Murray, disposto a abraçar o ridículo, disparando piadas de referências musicais dos anos 1970 e 1980 – que talvez se percam entre o público mais jovem – e com sua interpretação hilária de Smoke on the Water, do Deep Purple. Mesmo inspirado, o ator se vê sitiado por um roteiro repleto de clichês preguiçosos (o pai ausente, a música como salvação universal) e uma direção hesitante, tal qual a população afegã sitiada pela guerra.
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Um crítico eivado de sentimentos politicamente corretos não poderia mesmo gostar de um filme politicamente incorreto como "Rock The Kasbah", pois simplesmente Barry Levinson resolveu mostrar o deserto sem fim que é o Afeganistão e todos os países que vão do Marrocos, da África do Norte, ao Paquistão, da Ásia Meridional. Sim, é aquilo mesmo: tratamento das mulheres como se fosse mulas propriedades dos pais e sociedades envoltas em guerras tribais e, neste caso, com a ajuda mágica dos EUA que colocam mais gasolina na fogueira. O filme é sarcástico, divertido, verdadeiro e em certos momentos arranca algumas lágrimas de emoção. Assistiam e deem sua opinião. Meu nome é Tony Pacheco, sou jornalista, psicanalista e economista. E, claro, cinemaníaco.