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Sinopse

Em Romeu é Julieta, o renomado diretor teatral Federico Landi Porrini busca o elenco para a sua versão do drama romântico mais importante de William Shakespeare. Vittoria, uma jovem atriz, é rejeitada devido a seu passado, mas com a ajuda de sua amiga maquiadora, ela assume uma identidade masculina como Otto Novembre e consegue o papel de Romeu. Interpretar um homem revela-se um desafio. Exibido no Festival de Cinema Italiano no Brasil 2024

Crítica

O cinema, o teatro e a literatura são cheios de histórias protagonizadas por mulheres obrigadas a esconder o seu gênero para desempenhar funções tratadas como exclusividades patriarcais. Geralmente, isso é uma oportunidade para questionar justamente as primazias masculinas. Por que uma mulher não poderia tomar a frente de batalhas, assim rompendo com os estereótipos e criando uma nova possibilidade de ocupação da ordem social? Numa trama de época, por exemplo, por que as meninas não podem se identificar com guerreiras valentes empunhando espadas contra os inimigos e precisam se contentar com vestes pesadas e posição submissa? Romeu é Julieta poderia facilmente cair nessa questão, uma vez que tem como protagonista uma atriz disfarçada de homem que consegue o principal papel da maior tragédia romântica de William Shakespeare. No entanto, não é exatamente esse o caminho tomado pelo cineasta Giovanni Veronesi. Sua personagem principal, Vittoria (Pilar Fogliati), deseja retomar a carreira depois de ter sido descoberta como plagiadora de uma peça. Mas, essa figura nunca é observada necessariamente a partir de uma vontade de se reerguer, sendo esse objetivo estritamente um empecilho que justifica os motivos para ela não conseguir o papel de Julieta na audição. O filme selecionado para o 19º Festival de Cinema Italiano no Brasil é uma comédia romântica bem leve.

Romeu é Julieta apresenta um panorama de personagens interessantes, cada um enfrentando uma crise diferente. Vittoria tem de esconder do namorado que, em meio a uma tentativa de vingança, acabou ficando com o papel que ele tanto desejava. E essa travessura que visa resguardar o orgulho ferido do homem é tratada somente como mais um item da farsa que vai sendo desenhada aos poucos. Federico (Sergio Castellitto), o diretor da peça, é um artista desacreditado, anteriormente considerado genial. Porém, essa tensão existente entre a imagem que o sujeito tenta sustentar (a do regista carrasco que obriga todos a uma sujeição completa) também deixa rapidamente de ser importante, quando muito se transformando numa peculiaridade de comportamento pouco explorada. Rocco (Maurizio Lombardi), o namorado frustrado por não ter conseguido o papel de Romeu, é simplesmente aquele que deve ser continuamente enganado, sobretudo depois do golpe de sorte que o leva a ser chamado às pressas para substituir o ator escolhido para interpretar Mercúcio, o melhor amigo do drama romântico shakespeareano. O cenário dramático que Giovanni Veronesi cria é repleto de ótimas oportunidades que ele explora sempre a nível superficial. O mais importante nessa comédia romântica é criar as circunstâncias favoráveis para diversas idas e vindas amorosas. Apenas isso.

O fato de Vittoria ser neta de uma grande atriz que está fazendo cinema enquanto ela se veste de homem para subir ao palco e enganar todo mundo é desimportante. Tanto que se fosse tirado do filme não faria qualquer falta. Assim percebemos que nem todos os componentes dos personagens (suas motivações, interessantes, conexões e particularidades) são utilizados como algo realmente relevante pelo cineasta Giovanni Veronesi. A isso ele prefere uma abordagem bem menos profunda e mais descompromissada, com foco em problemas simples cujas soluções são permitidas por conveniências e providencialismos. Por exemplo, para adicionar Rocco na peça o diretor cria uma situação inverossímil envolvendo o ator que quebra a perna no palco durante o primeiro ensaio. Inverossímil não porque seria esdrúxulo isso acontecer, mas pela maneira como a cena é construída. No fim das contas, são minimizados o interesse no processo artístico, as conversas sobre a diferença entre arte e indústria artística, as menções a uma realidade tomada por influenciadores cooptados pelo teatro para atrair públicos diferentes e os próprios dilemas da protagonista entre falar a verdade e ter uma nova chance. Na medida em que a trama avança sem o desenvolvimento desses e de outros apontamentos, o que sobra é a farsa amorosa repleta de certos pontos de conexão entre casais diferentes. Nada mais que isso.

O personagem do diretor acaba sendo reduzido a ditador tanto nos bastidores da peça quanto no relacionamento com seu marido Lori (Maurizio Lombardi). O principal trunfo do filme é Sergio Castellitto, ator com tamanha presença de cena e habilidade para transitar entre o tirânico e o ridículo que torna cada fala de Federico uma possibilidade interessante (ainda que elas sejam boicotadas pela direção). Especialmente no terço final de Romeu é Julieta, a criação artística passa a ser praticamente irrelevante, pois o roteiro assinado por Giovanni Veronesi, Pilar Fogliati e Nicola Baldoni começa a privilegiar os desacertos amorosos que antecedem o final feliz. Então, muito mais importante do que o bloqueio criativo de Federico, as pressões do produtor ansioso por alguma luz no fim do túnel e a ideia das reputações que precisam ser provadas está a crise matrimonial do encenador e as possíveis tempestades no relacionamento da atriz principal. O filme se encaminha para o lado romântico, minimizando todo o resto, a ponto de o encerramento quase desprezar o fato de que o sucesso acontece apesar da genialidade de Federico – vide o cenário por ele anteriormente rechaçado e o clímax inesperado que refresca a história secular. Deixando de lado a celebridade como sintoma dos nossos tempos e o suspense da descoberta da verdade pelo namorado, Giovanni Veronesi cria um clássico e inocente “felizes para sempre”.

Filme visto no 19º Festival de Cinema Italiano no Brasil em novembro de 2024.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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