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Sinopse

Dona de uma creche, Madame Rosa sobreviveu ao Holocausto. Ela abre as portas a Momo, menino senegalês que a roubou.

Crítica

Para o espectador nacional, será fácil comparar o italiano Rosa e Momo, longa que marca a volta da diva Sophia Loren ao cinema após um hiato de mais de uma década – seu último longa havia sido o musical hollywoodiano Nine (2009), no qual faz uma participação especial – com o nosso Central do Brasil (1998), que foi premiado no Festival de Berlim e indicado ao Oscar não apenas como Melhor Filme Estrangeiro, mas também na categoria de Melhor Atriz, para uma incrível Fernanda Montenegro. Bom, se ambas estão no domínio dos seus ofícios nos filmes que defendem, as duas também aparecem fazendo par com jovens estreantes – Vinícius de Oliveira duas décadas atrás, Ibrahima Gueye agora. As semelhanças percorrem ainda as histórias, nas quais as mulheres começam prestando uma ajuda, ainda que de forma relutante, à criança, mas aos poucos percebem que serão os meninos a as ajudarem em um difícil momento de suas vidas. A principal diferença, portanto, está nas conduções de Walter Salles e Edoardo Ponti – enquanto o primeiro era econômico nos movimentos e sabia valorizar seu conjunto, o segundo parece acreditar que o jogo está ganho, desperdiçando oportunidade preciosas que, caso tivessem sido melhor aproveitadas, teriam enriquecido sua obra.

Tal percepção se dá pela discrepância de tempo em cena entre Madame Rosa (Loren) e Momo (Gueye). Ainda que ela seja o nome conhecido e até mesmo familiar – o diretor Ponti é seu filho – a tarefa de conduzir a trama recai sobre os ombros do novato. Não há uma divisão equilibrada entre os dois – e é justamente aí que se começa o afastamento com o semelhante brasileiro. Soma-se a isso, ainda, o fato de antes termos tido um road movie que não apenas respeitava as convenções do gênero, mas também era hábil em fazer uso destes elementos, colocando-os a seu favor. Dessa vez, no entanto, o que se verifica é uma aposta efusiva no melodrama, temática que abraça sem maiores ressalvas. Isso, por si só, não chega a ser um demérito – muito pelo contrário, aliás. Mas ao assumir a decisão de percorrer caminhos há muito trilhados, se faz mais do que necessária uma reinvenção, toques de originalidade e inovação que permitam um novo olhar ao que muito se conhece. Uma característica rarefeita neste percurso.

Assim como a Filomena (Bárbara Santos) de A Vida Invisível (2019), Rosa é uma ex-prostituta que, já velha, decidiu trabalhar cuidando dos filhos das colegas mais novas. Após um primeiro encontro um tanto turbulento, volta a ser apresentada a Momo pelo pedido de um amigo, um médico que costumava dar abrigo ao órfão, mas agora se vê sem condições físicas de seguir prestando tal ajuda. Por mais que receba o pedido de má vontade, acaba aceitando – afinal, seria apenas mais um sob a sua vigilância. Mas os dois possuem leões com os quais lutar. Ele, pela lembrança do Senegal que deixou para trás e o abandono dos pais, falecidos nessa jornada. Ela, pelas doloridas lembranças do tempo de clausura nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Mais em comum ainda, ambos compartilham um temor pelo que o futuro pode lhes reservar: para um a concretude de uma existência controlada, para a outra a incerteza de uma doença que pode lhe afastar de quem é de verdade.

Há raras cenas em Rosa e Momo, no entanto, que permitem ao espectador acompanhar o cotidiano dela de modo isolado, distante do menino. Desde os primeiros momentos, é vista a partir das interpretações dele, seja quando a observa à distância, como uma fera prestes a atacar a vítima, ou no momento em que essa postura se alterna, assumindo um lugar de proteção e resguardo. Quando Rosa começa a se perder em um Alzheimer impiedoso, Sophia Loren tem nas mãos uma oportunidade singular de mostrar, tantos anos após o ápice do seu estrelato, que mais do que uma mulher deslumbrante, é também uma intérprete de gigantes possibilidades. Esses instantes, no entanto, são pontuais, explorados com parcimônia pelo realizador, como se temesse que, caso ela assumisse o controle, o resto acabasse eclipsado. Por não confiar no todo, perde a chance de permitir que a maior das suas vantagens brilhe com a força que é capaz.

A linha narrativa dessa nova adaptação do livro de Romain Gary (que já havia sido levado às telas em Madame Rosa: A Vida à sua Frente, 1977, produção francesa premiada com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e com o César de Melhor Atriz para Simone Signoret) é linear, sem surpresas ou rompantes de criatividade. Por um lado, se isso não permite assumir riscos ou ousadias, também garante ao elenco e equipe um ambiente confortável para as ambições reveladas. Rosa e Momo fala de perdas e conquistas, de superações e despedidas. E ao abandonar reviravoltas linguísticas, consegue se concentrar no que tem de melhor – a sua dupla de protagonistas – ainda que nem sempre saiba fazer uso dos dois da maneira apropriada – ou, ao menos esperada. Sophia Loren, ao menos, merecia mais. Mas o que ganha, visto o quão triste é o estado de abandono por parte do público e de realizadores em relação a nomes da sua faixa etária, já é suficiente para se apresentar como um reencontro há muito aguardado, no qual ela se confirma como poucas da sua estatura.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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