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Crítica


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Sinopse

De férias numa casa de veraneio à beira do Mar Báltico, um grupo de amigos se depara com uma situação inusitada: a floresta que fica nas imediações começa a pegar fogo.

Crítica

Christian Petzold é um dos grandes autores do cinema alemão contemporâneo. Seus filmes invariavelmente acabam discutindo presente e passado de sua nação, se mostrando relevantes e incapazes de serem ignorados não apenas pelo conteúdo, mas também através da forma que assume para suas narrativas, geralmente inventivas e originais dentro dos rígidos limites aos quais se propõe. Isso não quer dizer, por outro lado, que o diretor não saiba relaxar – por mais que essa não seja, definitivamente, a sua zona de maior conforto. Um bom exemplo de quando decide exercitar o músculo um tanto enferrujado do humor é este Afire (ou Roter Himmel, no original), título esse que pode ser traduzido tanto como Em Chamas (do inglês) ou Céu Vermelho (da língua alemã). Este entendimento vem de um sentido literal – os personagens transitam, com suas inseguranças e deliberações, em uma região constantemente ameaçada pelo fogo – como também de uma forma mais figurada – somente aqueles dispostos a se arriscar poderão sair transformados desse processo, sejam chamuscados por se queimarem, sejam renovados, ao vencer uma barreira aparentemente intransponível. O fato é que não mais serão como antes. Uma percepção também capaz de se estender aos que por esse cenário se aventurarem, não visando ganhos impressionantes, mas certos de que com méritos inegáveis acabarão se deparando.

O ambiente que aos poucos passa a ser desenhado é o de uma comédia de formação, algo entre o hollywoodiano American Pie: A Primeira Vez é Inesquecível (1999), de Paul Weitz, e o francês Conto de Verão (1996), de Éric Rohmer. Há desde a ninfomaníaca que não para de transar no quarto ao lado (sem permitir que os demais ocupantes da mesma casa consigam dormir) até o passeio quase ingênuo de jovens pela praia em busca de um amor que talvez nunca venha a se confirmar. Leon (Thomas Schubert, de Egon Schiele: Morte e a Donzela, 2016) aceitou o convite do melhor amigo, Felix (Langston Uibel, visto em Nada Ortodoxa, 2020) para passarem alguns dias juntos na residência de férias que a família dele mantém em um bosque próximo do litoral. Como os dois estão diante de prazos profissionais apertados – um precisa acabar de revisar seu segundo livro a ser publicado, enquanto o outro necessita acabar de montar um portfólio para dar sequência aos seus estudos – era de se imaginar que uma oportunidade como essa não apenas fortalecesse os laços entre eles, como também proporcionasse as condições necessárias para os intentos particulares de cada um.

Não será, porém, o que se verá a seguir – como é a regra, afinal, de qualquer trama cômica que aposte em uma série de erros para buscar o riso através do constrangimento gerado pelas novas situações. Mesmo antes de chegarem ao destino planejado, o carro estraga e acabam se perdendo entre as árvores ao tentarem completar o trajeto a pé. Uma vez alcançado o endereço, descobrem não estarem sozinhos: a mãe do amigo emprestou as chaves à filha de uma conhecida, que está trabalhando na região, e havia esquecido de avisá-los. O desconforto inicial entre os estranhos será superado pelo proprietário, disposto a encarar qualquer adversidade como algo natural e sem maiores consequências. Ao contrário do visitante, que vê seus planos de paz e tranquilidade irem gradualmente sendo encaminhados a um contexto para o qual não estava preparado. Eis, nesse ponto, algo interessante a ser percebido: sua inabilidade em lidar com o que lhe foge do controle. E os exemplos serão muitos: a carisma da inesperada companheira, a chegada de um guarda-vidas que aos poucos conquistará um espaço entre os amigos, os julgamentos apressados que lança sobre os outros apenas para se ver confrontado pela quebra desses preconceitos.

Se Felix é um tipo que permanece apenas na ameaça – suas frustrações com o colega de passeio vão se acumulando, mas raramente extravasam – e Devid (Enno Trebs, de A Fita Branca, 2009) parece ter sido escolhido mais pelo efeito estético que proporciona, Leon rapidamente será ultrapassado como o mais interessante do elenco por Nadja, resultado de uma composição luminosa de Paula Beer (Undine, 2020). Parceira recorrente de Petzold, ela suplanta seu colega de cena com um sorriso cativante e personalidade de sobra, ciente tanto do seu poder de conquista como também das fragilidades que terá que enfrentar pelo caminho. Ela funciona tanto no papel de uma mera vendedora de sorvetes como uma literata a caminho de uma segunda graduação, sendo o mais importante que esses dois perfis existem na mesma personagem sem incongruências ou disparidades. A dificuldade de Leon em lidar com tamanho alcance e diversidade ajudará a aumentar a leveza do conjunto, ao mesmo tempo, porém, em que dificulta uma maior simpatia por ele. Suas debilidades se aproximam da irritabilidade, fazendo dele não apenas patético, mas desprovido de uma empatia capaz de gerar qualquer retorno com o público, seja torcida ou desprezo.

Enquanto isso se desenrola, a ameaça do fogo se aproxima. Quem, enfim, irá se mover para impedir o alcance de tamanho perigo? Ou será que tanto se passou que qualquer coisa agora de nada adiantará? Pior: agir não pode ter efeito contrário, e fazer daquilo que era apenas uma conjectura algo concreto e efetivamente danoso? Estes são alguns dos questionamentos que atravessam as idas e vindas dos protagonistas de Afire, indecisos entre a necessidade de mudança e a estabilidade dos espaços há muito conquistados. Mais ou menos a dúvida enfrentada por Christian Petzold, que ao se aventurar por uma obra que pode ser considerada “menor” dentro de uma filmografia de tantos feitos, exibe os resultados de um esforço calculado, que se por um lado não o afasta de sua assinatura enquanto contador de histórias, também pouco acrescenta ao muito que já elaborou com seus trabalhos anteriores. Quem brinca com aquilo que pode voltar contra si, eventualmente, corre o risco de prejudicar a si mesmo. Quando há engenhosidade envolvida, no entanto, as chances de que isso aconteça são menores. Mas não desprezíveis.

Filme visto no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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