RRR: Revolta, Rebelião, Revolução
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S.S. Rajamouli
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RRR (Rise Roar Revolt)
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2022
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Índia
Crítica
Leitores
Sinopse
Uma criança é raptada de um vilarejo. Enquanto um guerreiro parte para a capital da Índia, país dominado pela coroa britânica, um policial é incumbido de proteger os interesses dos britânicos, custe o que custar.
Crítica
Um musical melodramático de discurso anti-imperialista e empoderador. Assim podemos definir RRR: Revolta, Rebelião, Revolução. Esse grande filme utiliza a longa e conhecida tradição do cinema popular da Índia para apresentar uma trama envolvente, dançante, constantemente espetacular e que promove um catártico acerto de contas com a colonização britânica. Embora a produção afirme no começo que “semelhanças com a realidade são meras coincidências”, o cineasta S.S. Rajamouli se inspirou em duas personalidades factuais para criar os protagonistas – Alluri Sita Ramaraju e Komaram Bheem, homens que lutaram pela liberdade da Índia. Essa distância aproximada (olha o paradoxo aí) da realidade também está no pano de fundo, os anos de subjugação do território indiano aos desmandos da coroa britânica. Desse jeito, a natureza revolucionária do filme é emoldurada pelo aspecto fantástico que, por sua vez, sustenta uma dimensão narrativa na qual as lógicas do mundo real são repetidamente subvertidas. Bem ao gosto do cinema popular da Índia, o filme nos apresenta sequências que desafiam as leis da gravidade, a coerência e outras regras que balizam o realismo. E o caráter de entretenimento não minimiza a força dessa celebração dos revolucionários e das revoluções. São tantas as cenas exuberantes que fica difícil eleger qual é a mais repleta de improbabilidades bem coreografadas.
Há dois protagonistas em RRR: Revolta, Rebelião, Revolução. Bheem (N.T. Rama Rao Jr.) é o aldeão designado a resgatar uma menina raptada pelos ingleses. Já Raju (Ram Charan Teja) é o indiano membro das forças policiais (a serviço do invasor) incumbido de caçar esse sujeito que vem do campo para levar a criança de volta aos braços de sua mãe. S.S. Rajamouli apresenta os dois a partir da mesmíssima intenção: mostrar que são capazes de proezas sobre-humanas quando motivados. Bheem é visto lutando com um lobo e um tigre na floresta. A sobrevivência vem depois de uma batalha feroz com a natureza predadora desses dois animais criados num convincente CGI. Já Raju é visto enfrentando literalmente centenas de revoltosos para capturar o homem que incitou uma precipitação contra o estabelecimento imperial. Nessas ocasiões há a construção minuciosa de uma lógica sólida por traz de tantos absurdos. Assim sendo, o longa-metragem assume cada vez mais esse mundo em que proezas inimagináveis são possíveis. O dado melodramático do enredo fica por conta da improvável aproximação dos personagens principais, os antagonistas que se tornam amigos. E isso também acontece depois de uma cena mirabolante envolvendo o incrível salvamento do inocente das chamas de um acidente. Sequer imaginávamos que fogo e água (símbolos deles) precisavam combinar para despertar a nação.
S.S. Rajamouli nunca perde de vista a vilania dos britânicos. Com raríssimas exceções, homens e mulheres brancos existem, basicamente, para representar os anos de violência imperialista. Sem respeito pela vida humana local, eles assumem o tom das caricaturas apropriadas para retratar os opressores. E é justamente numa ocorrência tradicional do cinema popular indiano, o número musical, que RRR: Revolta, Rebelião, Revolução faz a sua primeira (e apoteótica) sinalização de ser efetivamente um filme político com altíssima capacidade de nos mobilizar. Bheem e Raju são humilhados na pomposa festa dos britânicos, no palacete em que os indianos são tratados como subalternos e/ou cidadãos de segunda categoria. E é exatamente por meio da dança que os protagonistas subvertem a logica de poder atribuída pelas armas, logo colocando os invasores no chão em virtude da fadiga. É também nesse momento que um vínculo se consolida, que o realizador afirma a importância da união desses dois guerreiros para destruir um inimigo tão poderoso, o invasor estrangeiro que enxerga a Índia como uma extensão de seu quintal. O melodrama tempera essa escalada de Bheem e Raju rumo à tragédia pessoal, afinal de contas estão supostamente em lados contrários de uma guerra bem maior do que eles. E a cisão se dá em outra cena memorável: a invasão do palácio com a ajuda de uma fauna bruta e enfurecida.
O cineasta S.S. Rajamouli demonstra uma perícia impressionante na condução das mirabolantes cenas de ação. De certo modo, ele resgata a capacidade do cinema de nos maravilhar por meio de algo que somente pode acontecer na telona. Por isso são tão excitantes essas passagens de cair o queixo em que os heróis se insurgem milagrosamente contra um inimigo insensível. RRR: Revolta, Rebelião, Revolução possui uma linguagem muito bem empregada para engajar o espectador num espetáculo exuberante em que o movimento se torna o elemento fundamental. Mas, o valor da produção não está apenas nessa utilização prodigiosa de sons e imagens. Ele se encontra igualmente nesse discurso mantido numa embalagem suntuosa e empolgante, na maneira como transforma o espetáculo num veículo para mostrar a necessidade das revoluções. Num esforço para não estragar a experiência de quem ainda não assistiu ao filme, esse texto não revelará os teores de uma reviravolta importante, contextualizada por um longo e emotivo flashback. No entanto, é preciso dizer que os dois protagonistas representam abordagens rebeldes distintas, melhor dizendo, complementares: um deles está disposto a derrubar impérios para salvar uma menina, ou seja, é um humanista radical; o outro é capaz de sacrifícios pessoais em virtude de um bem maior, ou seja, é um agente clássico da revolução (inflamado pela chama de vingança). Ambos são heróis, convertidos em “super” pelos poderes do cinema.
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