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Crítica


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Sinopse

Um jovem integrante do narcotráfico num bairro da capital dos Estados Unidos se esforça para que o irmão caçula não siga seu caminho de marginalidade. Um vizinho veterano de guerra vai ajuda-los a se emancipar do crime.

Crítica

Um dos elementos que poderia resgatar Ruas em Guerra do convencional é o desenho inicial da violência incrustada na capital dos Estados Unidos. Entretanto, não são necessários mais que minutos adicionais para essa esperança se esvair em meio ao emaranhado de lugares-comuns sobre bairros habitados essencialmente por estrangeiros. O cinema não inventou a xenofobia, por certo, mas contribuiu bastante, e assim o continua fazendo, para forasteiros serem encarados com desconfiança, frequentemente os mostrando como bandidos, às vezes quase animais capazes de dissolver brutalmente a civilidade local. Neste filme não há qualquer vontade de sinalizar, minimamente, porque um espaço habitado por pessoas vulneráveis, social e economicamente falando, é propício à criminalidade. Lucas (Elijah Rodriguez), adolescente que goza de grande prestígio junto ao maior traficante da região, até ensaia um diagnóstico circunstancial, apontando marginalidade e esporte como as únicas possibilidades de sucesso para quem nasce naquela vizinhança podre.

O cineasta Lior Geller não se preocupa com dados que possam dotar seu filme de personalidade, pelo contrário, pois adere facilmente aos clichês sem subverte-los. Maior atrativo midiático da produção, Jean-Claude Van Damme interpreta um veterano de guerra que carrega marcas psicológicas e físicas. Impossibilitado de falar por conta de um ferimento no front, ele se comunica por meio de gestos e do telefone celular. Um dos maiores astros de ação dos anos 80/90, ele, no entanto, nunca foi reconhecido exatamente por suas capacidades dramáticas. Justo em virtude disso, Daniel surge como uma figura apagada, um mero e surrado arquétipo destituído de singularidade. Ao invés de evidenciar pontuais complexidades, de arrolar o Estado nessa construção das tragédias vorazmente consonantes, Ruas em Guerra investe no delineamento de situações simplórias, tais como o ex-militar que responde mais ou menos automaticamente ao grito de socorro de alguém, isso também como forma de compensar os próprios pecados praticados em solo “inimigo”.

Exatamente no que diz respeito ao trauma do personagem de Van Damme, Ruas em Guerra acaba, de certa forma, celebrando aquilo que supostamente condena. Sim, pois Daniel tem cicatrizes indeléveis dos tempos em que serviu aos Estados Unidos no Afeganistão. Isso abre uma avenida para questionamentos quanto à sanha de ocupação estadunidense. Além de estereotipar traficantes, chegando ao cúmulo de deixar alguém colocar impunemente salvadorenhos e mexicanos no mesmo balaio, sem rastilhos de crítica, Lior Geller sustenta uma espécie de elogio à intervenção “branca”, ou seja, entra em contradição ideológica. Se, por um lado, ensaia (de leve) uma reprimenda às guerras que deixam vítimas em ambas as linhas, por outro, celebra basicamente a interferência do homem branco norte-americano num local “estrangeiro”, como se ele fosse um imprescindível fiel da balança. Desse modo, à medida que oferece uma perspectiva desalentada do combate em regiões forasteiras, mostra que sem Daniel, provavelmente, a selvageria contra os “justos” não cessaria.

Ruas em Guerra tem apenas um destaque entre os membros do elenco, estes praticamente em estágio de piloto automático. David Castañeda interpreta com intensidade o traficante mor, eventualmente se desvencilhando da vulgaridade a qual esse bandido é submetido pelo andar da carruagem, ao menos buscando um aprofundamento psicológico, sobretudo em determinados instantes de introspecção que precedem os rompantes. Deixando de lado a inutilidade das execuções precedidas por citações a William Shakespeare – dado mencionado pelos comparsas como indício, mas sabotado ao longo da trama, pois quase esquecido –, ou as alusões não menos subaproveitadas a Charles Dickens, precisamente ao seu Um Conto de Duas Cidades, há uma leitura dos dramas familiares, vide a devoção de Rincón à irmã. Esses laços consanguíneos explicam a identificação do chefão com Lucas, superficialmente. Uma pena que Lior Geller seja mais afeito aos caminhos comuns, às câmeras lentas que tentam fazer a carga dramática pegar no tranco, e bem menos inclinado a deixar que certas entrelinhas adensem esse genérico banho de sangue travestido de caminho da redenção.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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