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Sinopse

Doce e desajeitada estudante do Ensino Médio, Ruby descobre ser descendente direta das guerreiras kraken. Diante do destino, que a coloca como herdeira direta do trono que fora de sua avó, ela tem de usar seus poderes para o bem.

Crítica

Em entrevista exclusiva ao Papo de Cinema, o diretor Kirk DeMicco revelou que a principal motivação por trás da feitura de Ruby Marinho: Monstro Adolescente era dar origem a uma protagonista feminina entre as tantas marcas rentáveis da Dreamworks. Ou seja, fica claro que o foco estava mais na personagem, e menos na trama. Talvez por isso, em sua estreia nos cinemas norte-americanos, o filme tenha aparecido num distante sexto lugar, com apenas US$ 5,5 milhões de arrecadação (quase nada, ainda mais se levado em conta que o orçamento foi de US$ 70 milhões). Pelo jeito, será difícil imaginar num futuro não muito distante a garota que se descobre descendente de uma linhagem real de krakens se colocando ao lado de tipos como Shrek, Po (Kung Fu Panda) ou Banguela (Como Treinar o Seu Dragão), por exemplo. Não que não merecesse, no entanto. Colorida e carismática, tem personalidade para conquistar a audiência e despertar envolvimento. Pena que não foi dessa vez.

Isso porque a impressão que se tem é que os roteiristas Pam Brady (vencedora do Emmy por South Park, 2008) e a dupla Brian C. Brown e Elliott DiGuiseppi (responsáveis pelo pouco visto Lucy in the Sky, 2019) estavam mais preocupados em criar uma versão-antítese de A Pequena Sereia (Ruby Marinho entrou em cartaz quase que simultaneamente à adaptação live action do clássico da Disney) do que em dotar o material que tinham em mãos de um viés original e independente. Senão, vejamos. Ariel se apaixona de forma instantânea, e passa o resto da história lutando por esse amor, enquanto que Ruby sofre por uma paixão escondida, que tem vergonha de assumir e não sabe como expressar. Para tanto, Ariel fará de tudo ao seu alcance para deixar o mar e ir para a terra firme, caminho oposto ao de Ruby, que no início da trama mora em uma cidade litorânea, disfarçando-se de terrestre (quando questionada sobre sua cor de pele, por exemplo, basta responder “é que sou canadense” que todas as dúvidas se dissipam), mas será somente a partir do momento em que der um mergulho que a verdade começará a aparecer diante de si. Ariel não quer ser mais uma princesa, e luta para ser vista como uma “garota comum”, enquanto que Ruby é... bom, uma “garota comum” que descobre ser uma... adivinha só: princesa!

Tantos paralelos não passariam desapercebidos, ainda mais quando a nêmesis de Ruby se concretiza diante dela como uma sereia branca e ruiva (mais uma pontada na Disney, que abandonou o visual clássico da personagem para apresentá-la atualmente através de um conceito mais diverso, quando a jovem negra Halle Bailey foi escolhida para interpretá-la em cena). DeMicco foi indicado ao Oscar por Os Croods (2013) – que apesar de apresentar a jornada de uma família, centrava sua atenção na primogênita – e conta dessa vez com a parceria da estreante Faryn Pearl (desenhista que atuou em projetos como Trolls 2, 2020, e Os Croods 2, 2020), que assina como codiretora. Mesmo assim, o resultado peca pela falta de entendimento dos problemas femininos adolescentes, uma vez que Ruby age como qualquer outro desajeitado do ensino médio hollywoodiano – como se a troca de sexo fosse meramente casual, e não um norte do roteiro. Ela se sente inadequada ao lado dos pais, pensa em quem convidar para o baile de formatura (nas comédias similares de três ou quatro décadas atrás, eram os meninos que se preocupavam com isso) e tem receio em enfrentar as obrigações da vida adulta. O que a torna única, portanto?

Bem, essa resposta está no subtítulo Monstro Adolescente. Apesar de toda adolescência ser um tanto monstruosa (uma piada tão infame quanto inevitável), Ruby é, de fato, um ser bestial: uma das aparições mais famosas na tela grande dos temidos krakens, para se ter ideia, foi em Fúria de Titãs (tanto o original, de 1981, quanto o remake de 2010), quando a fera surgia das profundezas para destruir tudo pelo caminho atendendo a um chamado dos deuses rebeldes. A saga Piratas do Caribe ou o nostálgico 20.000 Léguas Submarinas (1954) são outros que volta e meia recorriam a esta imagem como o ápice do terror. Eis, portanto, o grande – ou singelo – diferencial dessa proposta: aqui, os krakens são defensores dos sete mares, agindo como protetores da vida marinha contra seus maiores predadores, ninguém menos do que as... sereias! Ao mesmo tempo em que Ruby (voz de Lana Condor) descobre sua origem e missão após um encontro inesperado com a avó (a rainha dublada por uma imponente Jane Fonda), também terá que descobrir como lidar com a concorrência da menina recém-chegada à escola, Chelsea (Annie Murphy, conferindo personalidade a um tipo não mais do que genérico), a sereia que dela se aproxima disfarçada de humana para conseguir acesso ao segredo da coroa marítima.

O fato dos bastidores de Ruby Marinho: Monstro Adolescente serem mais interessantes do que o enredo que se desenvolve na tela não tem como deixar de provocar frustração, por mais que a ação seja dinâmica o suficiente para despertar interesse e enérgica o bastante para intrigar o espectador. Lamenta-se, por outro lado, que esse potencial não seja aproveitado para a construção de um conjunto duradouro, uma vez que os elementos em separado se mostram mais relevantes do que o todo que juntos originam. Os dramas são facilmente descartáveis – a resistência materna, a disputa colegial, a paixonite adolescente, o chamado real – e mesmo o clímax dos acontecimentos não se dá sem que se possa antecedê-lo com quilômetros (ou milhas) de distância. Ruby é descolada e desperta curiosidade, mas o que levou sua família a abandonar os mares? Qual o futuro deles uma vez que suas verdadeiras identidades são reveladas? Como se deu a sangrenta briga entre krakens e sereias? As possibilidades em paralelo, como se vê, são muitas. Mas os realizadores optaram por um caminho, senão morno, ao menos seguro – e óbvio. E nada de memorável até hoje foi feito tendo como base o conforto, não é mesmo?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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