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É curioso acompanhar o trajeto percorrido pelos diretores Bruno Victor e Marcus Azevedo no desenrolar de Rumo, longa de estreia de ambos no formato. Se antes, com o curta Afronte (2017), a dupla de cineastas do Distrito Federal havia investigado a representatividade negra pelo viés da orientação e identidade sexual, dessa vez partem do mesmo prisma – a questão racial – para, no entanto, estabelecer um olhar mais profundo e complexo a respeito da presença negra nas universidades públicas do país, algo que sofreu uma verdadeira revolução a partir da institucionalização da política de cotas no início dos anos 2000. E esse desenho se dá pela proximidade dos realizadores com um dos estopins desse debate: a Universidade de Brasília (UnB), a primeira de todo o Brasil a fazer dessa demanda uma diretriz a ser cumprida sem ressalvas. Quase duas décadas após o início desse direcionamento, o que mudou nesse cenário? Para melhor ou para pior? Quais foram os maiores afetados? Como a sociedade reagiu a essa mudança? Era a coisa certa a fazer, e no momento mais apropriado? As indagações são muitas e, felizmente, esse não é um filme que se propõe a encerrar tal discussão. É, pelo contrário, uma porta aberta à troca e à reflexão. E é essa, justamente, a sua maior força.
A maneira como os dois se apropriam dessa conversa, no entanto, não se restringe a um exercício meramente de pergunta e resposta. Há também um dispositivo ficcional envolvido, e este oferece ao conjunto uma potência que vai além do que meros depoimentos talvez pudessem alcançar. Leni Rabbi é uma mulher negra, assistente de cozinha, que criou seus filhos com muita luta e sacrifício. Sua maior renúncia, afirma ela, foi ter colocado aqueles que dependiam dela em primeiro lugar, o que a fez abrir mão de várias vontades. Uma delas, e talvez a que mais repercuta em si até hoje, foi ter abandonado os estudos. Mas não há mal que para sempre dure, e com mais de cinquenta anos, ela, enfim, conseguiu alcançar seu desejo: foi aprovada em um curso superior (Artes Cênicas) e irá, após tanta espera, frequentar os bancos de uma faculdade. É uma conquista pessoal, de caráter íntimo, sim, mas de imensa identificação e empatia junto a tantas outras como ela que, no entanto, não conseguiram fazer essa curva e retornar a um sonho há tanto esquecido. Juliana é uma aluna cotista, e sabe que, se a realidade fosse outra, provavelmente não teria esse orgulho que hoje compartilha com os seus.
Em cena, Sierra Veloso, uma atriz trans, ganha espaço como o filho de Leni, um menino que frequenta a mesma sala de aula que a mãe, e desse mesmo anseio também compartilha. Há, por sua vez, pelo corpo negro e LGBTQIA+ que defende, outras leituras a serem aplicadas, e nem sempre o filme está atento a até onde sua simples presença pode alcançar. Assim, Rumo abre mão de um discurso ainda mais amplo, ao mesmo tempo em que reforça sua maior característica: a vontade de fazer frente a um viés reducionista e alienante ao qual muitas vezes essa polêmica se vê atada. É mais do que simplesmente abrir espaço para aqueles que nunca tiveram acesso a tais cenários ou de forçar uma mudança de paradigma frente a um histórico tão imóvel quanto conservador. É, também, sobre a importância do pertencimento, da coletividade, da integração. Nisso, graças à urgência deste alerta, até mesmo a ficção se vê resignada a uma posição observadora. É preciso parar e deixar que aqueles que viveram tais histórias contem suas versões.
Assim, o fato de se ter dois atores enquanto condutores é importante, mas não se restringe a apenas isso. É como se dessem o passo inicial de uma conversa mais ampla e de múltiplas repercussões. Victor e Azevedo deixam de lado um apelo estético apurado, que pudesse recair diante de uma estrutura mais acessível, mas assim o fazem pela necessidade que encontram em uma questão que está longe de se confirmar unânime. Enquanto uma parcela imensa da população brasileira volta e meia resgata esse assunto ao centro das discussões, eis aqui uma narrativa que mostra, por relatos, mas também em exemplos, o quão concreto podem ser os resultados do emprego desta ótica formativa. Porém, se atingir um consenso se mostra cada vez mais complicado, ao menos é certo o valor da sua efetividade e a relevância destas ações. Dois elementos que estão tanto no campo de visão dos cineastas como também nas referências levantadas pelos entrevistados.
Se faz crucial observar que tanto Marcus Azevedo, quanto Bruno Victor, foram alunos cotistas e que se hoje estão à frente de um longa como Rumo, é porque entendem esse trabalho como exemplo do discurso que propõem. Talvez se tenha passado o momento de ouvir os dois lados e de tentar compreender o agressor, o que tanto se esforçou para calar aqueles que não querem nada além do que lhes é, historicamente, de direito. Porém, como apontado também por aqui, este é um posicionamento de partida, e não de chegada. É preciso ter isso em mente com clareza, seja pela atenção que o conteúdo recebe, como também pelo formato cômodo ao qual o todo se encaixa sem grandes tropeços, tanto na ausência de ousadia, como também no aspecto jornalístico que muitas vezes – principalmente em sua metade final – termina por assumir. E se um último desdobramento for permitido, ter a certeza de que o título escolhido, por mais genérico que possa soar, é apenas um detalhe: ao caminho se faz necessário um destino, e o que aqui aponta justifica uma atenção redobrada.
Filme visto durante o 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (2022)
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