Crítica
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Sinopse
Um jovem Amish recebe a oportunidade de conhecer o mundo moderno ao chegar à maioridade. Ele terá uma pequena, mas transformadora, temporada de descobertas na Alemanha para entender o que deseja do futuro.
Crítica
O protagonista de Rumspringa é Jacob (Jonas Holdenrieder), jovem Amish que passa pelo período de transição no qual recebe “férias” da doutrina ultraconservadora, assim podendo vivenciar o mundo fora das fronteiras da sua comunidade nos Estados Unidos. Durante o rito chamado justamente de rumspringa, ele ganha o direito de romper com os preceitos do grupo cristão anabatista baseado na América do Norte que prega a distância da modernidade. Portanto, Jacob tem “autorização” para utilizar aparelhos eletrônicos, dirigir automóveis e até mesmo para se apaixonar. A ideia dos Amish com isso é que os membros no começo da vida adulta tenham a oportunidade de experienciar o aspecto mundano da existência antes de decidir entre o batismo ou a mudança de vida. Portanto, não é difícil imaginar por quais problemas esse rapaz vai passar ao sair dos EUA e desembarcar em Berlim com duas missões na bagagem: 1) ter a temporada sabática para entender os seus desejos de futuro; 2) ir em busca da gênese europeia de sua família para completar a árvore genealógica registrada na bíblia de sua casa. Jacob é como qualquer personagem interiorano que se depara com a cidade grande, tipo o nosso Mazzaropi que frequentemente metia os pés pelas mãos ao desembarcar na metrópole vindo direto de um cotidiano menos complexo no interior. O que poderia dar um tempero próprio a esta comédia alemã que gradativamente ganha tons de drama é exatamente o fator religioso.
No entanto, a cineasta Mira Thiel (que divide os créditos do roteiro com Nika Heinrich e Oskar Minkler) prefere tomar caminhos convencionais em vez de focar nas especificidades do Amish seduzido por uma vida distante do padrão de sua religião. Assim que Jacob chega à Alemanha, sua bagagem é extraviada e ele se perde do tio que ia busca-lo – aliás, nunca mais se tem notícias desse parente. Como é de praxe nas comédias de erros, um engano leva a outro e assim sucessivamente. O Amish pensa que o desconhecido Alf (Timur Bartels) compartilha sua fé por ter uma barba volumosa, usar suspensórios e chapéu de aba larga. E isso engatilha a amizade improvável entre os dois estrangeiros (Alf é britânico) tentando encontrar caminhos no território germânico. Em tese, tudo está pronto para que tenhamos a velha dinâmica dos sujeitos que se amparam mutuamente para amadurecer com subsídios para estarem aptos à vida adulta. Superficialmente, é isso que acontece. Porém, Alf rapidamente se torna uma simples escada ao protagonista em missões, haja vista a falta de importância de suas demandas e dilemas pessoais. A realizadora não consegue estabelecer equivalência dramática entre os percursos de Jacob e Alf. As dificuldades de comunicação de Alf com o pai, as dúvidas quanto ao relacionamento amoroso, nada disso ganha um espaço adequado para ser relevante.
Então, o que nos sobra em Rumspringa é a jornada de Jacob diante das descobertas mundanas. O roteiro poderia trabalhar as novidades a partir do viés da culpa, afinal de contas, mesmo “liberado” pela doutrina, o protagonista ainda se sente desconfortável ao transgredir. Infelizmente, isso não acontece, uma vez que a realizadora está mais preocupada em empilhar circunstâncias de fácil identificação do que fazer delas algo consistente emocional e psicologicamente. Da boca para fora, o filme sustenta que Jacob e Alf têm muito a aprender um com o outro, logo atendendo a uma convenção desse tipo de filme focado no aprendizado mútuo. Mas, faltam nuances e entrelinhas no caminho trilhado "de mãos dadas" aos trancos e barrancos. Mira Thiel não parece interessada na humanidade de Jacob, nos obstáculos e embaraços do rapaz criado dentro de uma doutrina bastante restritiva. Ela observa o personagem apenas como elemento exótico numa metrópole, ou seja, se contenta em enxergar o protagonista pelo prisma da mera curiosidade. Assim sendo, suas transgressões não geram muita coisa senão euforia. Mesmo que alguém chame a atenção do Amish à necessidade de sentir menos culpa ao usufruir do salvo-conduto previsto nas sagradas escrituras, em nenhum momento o filme utiliza o remorso como indício de qualquer coisa. Nem a extrema sinceridade de Jacob é crucial.
O que temos em abundância nessa dramédia alemã é desperdício. Primeiro, a condição de Amish: Jacob poderia ser simplesmente um matuto vindo do interior que as coisas não seriam tão diferentes; segundo, a dinâmica com o sujeito descolado que também carrega problemas: Alf vale apenas o quanto pesa a sua capacidade de facilitar a adaptação do norte-americano; terceiro, os sentimentos e as complexidades envolvidas: culpa, amor, desejo, decepção, companheirismo, tudo isso é tratado como apêndice do deslumbramento com o admirável mundo novo. Como comédia, o máximo que se pode dizer de Rumspringa é que ele trilha o caminho do constrangimento para tentar fazer graça. Como drama, prevalece a conclusão de que as pessoas precisam experimentar o mundo e ter as rédeas das próprias vidas em mãos. Por fim, é preciso fazer vista grossa em vários instantes marcados por incongruências. Como um estrangeiro (e Amish) consegue se virar em Berlim como entregador de comida? Mira Thiel sequer aproveita a situação inesperada para inserir erros potencialmente cômicos na trama. O que leva uma artista linda e aparentemente de sucesso a se interessar pelo rapaz que reproduz o machismo da cultura Amish? A realizadora evita o choque entre o ultraconservadorismo e as mulheres que somente repetem máximas como se estivessem exercendo o feminismo. Ela faz um filme escapista, repleto de pontas soltas e que se apressa rumo às mensagens edificantes, no meio do caminho praticamente se esquecendo da procura pelas raízes da árvore genealógica.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 4 |
Francisco Carbone | 5 |
MÉDIA | 4.5 |
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