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Crítica


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Sinopse

Frances é uma mãe possessiva e uma viúva amarga. Assediada por escândalos e sem apoio substancial, ela decide levar sua família para Paris, onde as coisas não ficam lá muito melhores para todos os envolvidos.

Crítica

Há filmes que dependem de uma persona. Melhor dizendo, são delineados em torno dela. Saída à Francesa se desenvolve ao redor de Frances (Michelle Pfeiffer), cuja peculiaridade não está suficientemente contida nas ações repentinas, nos comportamentos nada ortodoxos (como botar fogo num arranjo floral diante da displicência do garçom) e em posicionamentos incomuns. A interpretação notável de Pfeiffer a torna insuspeitamente frágil, representante de uma burguesia moral e financeiramente falida que faz questão de manter certa pose, quiçá por ordem da sobrevivência das aparências. Todavia, paradoxalmente, parece querer revelar aos demais que aquilo não passa de encenação, vide a forma como seus gestos oscilam entre meneios sutis e rompantes emocionais incontidos pela força de uma natureza impulsiva. Se trata de uma personagem que não desce do salto por provavelmente acreditar, como em nenhuma outra coisa, na necessidade de permanecer relativamente digna diante de um mundo prestes a desmoronar em vários sentidos e medidas.

O filho de Frances, Malcolm (Lucas Hedges), aparece como herdeiro dessa ruína iminente. Absolutamente passivo diante das determinações maternas, sequer faz menção de rebeldia pela mudança à Paris da "vida nova". No fundo, ele sabe que há poucas alternativas, isso caso ambos queiram ter as coisas relativamente no lugar, ainda que seja inevitável a tal alteração dramática. O interessante em Saída à Francesa é que o cineasta Azazel Jacobs não parece disposto a tachar o material humano por essas perdas, tampouco o lendo a partir do sofrimento por deixar planos para trás e/ou alterar a rotina em função de forças incontroláveis (como instituições financeiras capazes de desterritorializar por falta de pagamento). As aflições são devidamente internalizadas, como se essa fosse a atitude correta para, novamente, manter-se digno. Obviamente, esse represamento que poucas vezes transborda em ímpetos e manifestações mais acaloradas cobra um preço. E o tributo (bastante caro) é um acúmulo de tensão, algo carregado nas interpretações uniformemente boas.

Dentro dessa perspectiva supracitada, os psicologismos em Saída à Francesa são entremeados/subordinados/subalternizados aos absurdos e imponderáveis. O componente fantástico trazido pela clarividente que antevê a morte da senhora no transatlântico é apresentado com fundo de desconfiança e/ou ironia do destino. Será realmente que a jovem tem poderes ou a menção ao passamento fez a idosa precipitá-lo involuntariamente por sentir-se extremamente amedrontada? Quando a “bruxa” passa pelo gato à tiracolo, se espanta com algo somente adiante revelado ao espectador. Azazel Jacobs brinca com a dúvida, mas não a mantém intacta até o encerramento, estrategicamente revelando a existência do elemento sobrenatural. Gradativamente, mescla o irracional (a existência do espírito meio enfastiado da própria pós-existência) e o humano, demasiadamente humano, exatamente as dúvidas, incertezas, incongruências, as insensatezes contidas nas atitudes de todos que acabam tragados. Sim, pois à medida que a trama avança, o que incialmente se mostra como uma dualidade (mãe/filho) insolúvel ganha contornos de numerosa família disfuncional.

Em certos instantes, Saída à Francesa parece demasiadamente satisfeito com meras demonstrações de singularidade. A constância no apartamento parisiense do detetive vivido por Isaach De Bankolé não tem tanta importância e, por exemplo, a vidente de Danielle Macdonald vira um instrumento conveniente pela ponte estabelecida com o além. De modo semelhante, Imogen Poots chega para ser o ponto de inflexão no caminho de Malcolm, possivelmente lida como peça essencial ao destino do jovem prestes a ganhar novas rotas. Quem, ao lado dos protagonistas, sobressai é a excelente Valerie Mahaffey como a "amiga" solitária, dada a manifestações que deixam gritante sua solidão, o que cria uma identificação imediata com os personagens principais. Mas, o grande destaque do filme é mesmo Michelle Pfeiffer. Sua interpretação admiravelmente complexa desenha Frances como um centro gravitacional encarregado de juntar os desgarrados, além de relevante como sintoma da tentativa de sobreviver à falta de sentido do mundo, o material e o imaterial. Nessa direção, mesmo que o acúmulo de gente possa soar dispersivo, é justamente nessa balbúrdia que está o porvir.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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