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Sinopse

A história de um pai e um filho, agricultores, cujas relações são conflituosas. Em uma tentativa de forjar uma nova cumplicidade, eles partem em um táxi numa viagem pela "rota de vinho".

Crítica

O road movie tem se mostrado o formato predileto dos franceses Benoît Delépine e Gustave Kervern, sendo adotado desde sua estreia na direção, Aaltra (2004), até seus longas mais recentes, como Mamute (2010) e A Grande Noite (2012). Em Saint Amour: Na Rota do Vinho, os dois voltam a trabalhar esse subgênero que se apresenta como ideal para narrar jornadas de autodescoberta e de conexão entre personagens, como a do criador de gado Jean (Gérard Depardieu) e seu filho Bruno (Benoît Poelvoorde). Buscando se reaproximar do problemático rebento, após este, novamente, se envolver em uma vergonhosa confusão causada por seu comportamento alterado pelo álcool, Jean decide colocar em prática o sonho de Bruno, realizando uma viagem de degustação pela região vinícola da França. Com um mapa em mãos, eles embarcam no táxi do jovem parisiense Mike (Vincent Lacoste), que também passará por transformações pessoais ao longo do trajeto.

Assim como a estrutura narrativa, todas as outras características já estabelecidas do cinema da dupla se repetem, a começar pela presença de Depardieu e Poelvoorde, além do próprio Kervern, ator de formação, então rostos familiares ao universo peculiar visto na tela. Universo marcado pelo apreço às figuras marginalizadas, das classes baixas, e pela sucessão de acontecimentos bizarros, muitas vezes beirando o grotesco, responsáveis por imprimir uma aura quase surrealista que contrasta diretamente com seu registro cru e direto. O estilo de câmera na mão e proximidade constante de rostos e corpos serve à criação de uma sensação de desconforto, bem como ao humor de constrangimento típico dos cineastas, algo que se torna mais evidente em sequências de tom quase documental, como as passadas na feira de agropecuária, onde Bruno dá seu vexame em meio aos visitantes reais do local.

Tal tipo de comédia dialoga muito bem com a persona de Poelvoorde, acostumado a viver personagens desagradáveis, inconvenientes, mas ainda assim capazes de revelar uma faceta simpática. Da mesma forma, Depardieu, ator afeito ao despudor, às experimentações e provocações desde o princípio de sua carreira, se mostra confortável frente à proposta de Delépine e Kervern. Ao lado dos dois, a imagem aparentemente normal de Lacoste como Mike gera certo choque, ao menos em princípio, já que, aos poucos, ele também deixa transparecer suas excentricidades. O principal conflito entre o motorista e a dupla principal adentra o contexto sociocultural que envolve o pensamento recorrente dos diretores sobre a luta de classes e as consequências do capitalismo. Algo que aqui aparece de modo menos incisivo do que em A Grande Noite, por exemplo, que expunha abertamente a crise econômica europeia e o desemprego crescente na França, mas que não se perde por completo.

Os comentários políticos são inseridos em menor número, como quando a personagem da garçonete (Solène Rigot) explica a Jean sua preocupação com os juros da dívida externa do país, servindo como complemento ao discurso de Delépine e Kervern sobre a valorização do homem do campo – profissão hoje ridicularizada, com Jean e Bruno sendo chamados de caipiras, com a noiva na despedida de solteira envergonhada pelo futuro marido ser agricultor – e da importância do trabalho manual, fonte primordial do sustento humano. Essas ideias se misturam aos momentos de revelações pessoais e de estreitamento de laços entre pai e filho – em A Grande Noite a ligação era fraternal – que funcionam graças à boa dinâmica de Depardieu e Poelvoorde, dividindo sequências sensíveis, à sua maneira bruta, como aquela em que Jean revela deixar mensagens na caixa postal da falecida esposa para ouvir sua voz. Confirmando, particularmente, que Depardieu ainda é um intérprete grandioso quando necessário.

A química do duo protagonista também potencializa a comicidade regada a vinho das situações propostas pelo roteiro, gerando piadas genuinamente engraçadas, como a sequência em que Bruno descreve os dez estágios da embriaguez. A trama episódica, formada por encontros fortuitos, contudo, se mostra irregular, uma fragilidade frequente dentro da obra dos cineastas. Se cenas carregadas de absurdo, como a da corretora de imóveis que transa com Bruno para causar ciúmes em sua parceira, ou o momento de intimidade de Jean com uma hóspede num hotel, são divertidamente inesperados, a peregrinação de Mike pelas casas das ex-namoradas parece deslocada, apostando numa incorreção humorística bastante discutível, especialmente no que diz respeito à representação das figuras femininas, que tende ao mero mau gosto.

Porém, diferentemente dos trabalhos anteriores da dupla (que pareciam esgotar sua fórmula antes do término da projeção), Saint Amour: Na Rota do Vinho cresce justamente em seu ato final, quando é introduzida Venus, personagem da ótima Céline Sallette. Praticamente uma encarnação da deusa do amor e da beleza, com seus longos cabelos vermelhos, é ela quem sintetiza a carga sexual do longa e, extraindo o melhor de cada dos três homens – Jean, Bruno e Mike – lhes oferece um propósito para suas existências. Com um olhar esperançoso, que reforça o enaltecimento da simplicidade e da natureza – vide o belo plano de Venus cavalgando em meio ao trânsito – através da vida que se inicia – o bezerro que nasce, o bebê em gestação – os cineastas demonstram crer na possibilidade da redenção, do recomeço. Seja para seus personagens ou, de um modo mais amplo, para a sociedade atual.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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