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Sinopse

As memórias da viagem feita pelo casal de artistas Cavi Borges e Patrícia Niedermeier são transformadas em um filme-ensaio. O cenário é composto de paisagens localizadas no Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Síria, França e Hungria, onde foi registrada uma série de coreografias e outras performances criadas pelo dois.

Crítica

Misto de documentário, ficção, poesia, dança e fotografia, Salto no Vazio, realizado pelo casal Cavi Borges (produtor, roteirista, fotógrafo e diretor) e Patrícia Niedermeier (atriz, bailarina e também cineasta) se enquadra na definição clássica de filme-ensaio. Partindo da inspiração na obra de Yves Klein – o título é emprestado da icônica imagem na qual o artista francês aparece saltando de um muro – o longa se apresenta como uma espécie de diário íntimo e de viagens, dividido em capítulos derivados das cartas trocadas por dois amantes (vividos pelos próprios Borges e Niedermeier) momentaneamente separado em razão de seus trabalhos. Ela é uma cineasta que deixa o Rio de Janeiro a caminho de Cannes, local em que conheceu seu amado e onde ambos pretendem se casar. Ele, por sua vez, se encontra em Aleppo, Síria, realizando a cobertura fotojornalística dos terríveis conflitos que assolam a região.

A verve experimental, unindo diversas expressões artísticas e tipos de registro, e que bebe em fontes como as experimentações de linguagem feitas por Jean-Luc Godard nas últimas décadas e o cinema avant-garde de Jonas Mekas – mencionado nominalmente a certa altura – faz com que, inicialmente, a proposta de Salto no Vazio dialogue com a de outro título nacional recente, Muito Romântico (2016), igualmente dirigido por um casal, Melissa Dullius e Gustavo Jahn, e que compartilha dos temas das relações amorosas, viagens e vida no exterior. Todavia, há uma diferença essencial entre as obras, pois, enquanto Dullius e Jahn terminam por adentrar o terreno da fantasia para investigar o desmantelamento do romance e o gradual afastamento dos protagonistas, Borges e Niedermeier, em contrapartida, já largam da separação física forçada, do distanciamento – a imagem do casal unido, como no longo beijo da sequência inicial, surge apenas como uma memória – construindo a narrativa em cima da ânsia pelo reencontro.

Um desejo que exala tanto das palavras contidas nas cartas quanto da expressão corporal dos números de dança de Niedermeier, cuja figura domina a tela durante a maior parte da projeção. Contando com o eficaz trabalho do montador Christian Caselli, os cineastas costuram essa substancial carga performática a todos os tipos de recursos ilustrativos disponíveis (mapas, filmes caseiros, fotografias de banco de imagens, time-lapses etc.) ordenando, assim, o fluxo menos diegético e mais sensorial das divagações filosóficas expostas. A trilha sonora de Rodrigo Marçal complementa a construção da ideia de um estudo cartográfico do amor, composto de metáforas sobre pontes, barreiras e linhas imaginárias que ligam, separam ou bloqueiam – tanto territórios quanto pessoas e sentimentos. Dessa forma, o corpo em movimento de Niedermeier, integrado às paisagens dos países por onde passa, assume a função de atlas das emoções e percepções amorosas.

As performances improvisadas da atriz/bailarina buscam ser inventivas em sua simplicidade, transmitindo sempre um genuíno senso de liberdade. Aquelas que apresentam uma comunhão mais profunda com a natureza, particularmente, se mostram as mais harmoniosas, seja em meio às folhas de outono, na areia, nos gramados de um parque ou nas águas de um rio. Por sinal, a água acaba sendo o elemento de destaque – duas das cartas são dedicadas ao Rio Spree, em Berlim - como o símbolo do movimento, do estado de permanente transformação. “Não é possível mergulhar no mesmo rio duas vezes”, repete Niedermeier, citando o pensamento do filósofo Heráclito. As limitações da produção, contudo, fazem com que, por vezes, essas passagens soem repetitivas – dependendo em maior grau dos cenários em que são inseridas para ganhar significados, como o Muro de Berlim – ou menos bem resolvidas no aspecto estético, algo causado também pela alternância na qualidade da imagem dos registros.

Nesse quesito plástico, a sequência acelerada e em preto e branco do Memorial do Holocausto surge como uma das mais elaboradas, com Niedermeier fugindo da câmera por entre os monumentos e evocando a qualidade labiríntica do sentimento de isolamento e solidão que acaba levando a personagem de encontro a Kafka, visitando a casa/museu do autor em Praga, República Tcheca. Porém, é mesmo a Klein que Salto no Vazio – idealizado como primeira parte de uma trilogia - acaba retornando: na releitura da obra-título. Um mergulho belo no azul monocromático intenso e característico do francês, que encerra um exercício lírico dotado, sim, de força, mas que talvez não consiga transpassar completamente sua dimensão particular – mesmo mesclando o ficcional ao autobiográfico e tratando do tema universal do amor – para estender ao espectador, com a mesma intensidade, o significado que claramente possui para seus realizadores.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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Leonardo Ribeiro
6
Filipe Pereira
6
MÉDIA
6

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