Crítica
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Sinopse
Com a chegada da energia elétrica e o aumento do turismo na região, uma família precisa se adaptar à nova realidade de uma pequena comunidade de Paraty, no litoral do Brasil, entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Crítica
É incontestável. Diálogos acerca de veículos autônomos, residências inteligentes e outras variadas formas de A.I.s que possivelmente dominarão nossas vidas nos próximos anos têm monopolizado os debates cotidianos. Nesse cenário, torna-se desafiador identificar conjunturas que permaneçam alheias a esse iminente avanço tecnológico. Contudo, quando André Bazin, famoso teórico e crítico de cinema, disse que a sétima arte era “uma janela para a vida, uma revelação do mundo”, estava ele sugerindo que deveríamos explorar apenas o que ainda não está ao nosso alcance cognitivo? Ou será que ele também nos incentivava a redescobrir elementos que já dominamos e, por escolha própria, optamos por relegar ao esquecimento? Esta é a proposta de Samuel e a Luz. Nadando contra a correnteza da multinacionalização, o diretor Vinícius Girnys nos apresenta a história de uma família que, imersa em contexto de vulnerabilidade social, está apenas agora despertando para as maravilhas da luz elétrica.
O protagonista desse grupo é Samuel, cuja jornada se converte no elo fundamental dessa transformação de paradigma social que se desenrola em Ponta Negra, vilarejo de pescadores situado na costa de Paraty. Através da perspectiva do jovem protagonista, somos confrontados com realidades completamente alienígenas ao universo dos privilégios. Em suas vivências, experimentamos mergulho profundo em circunstâncias que, até então, permaneciam invisíveis aos olhos de quem desfruta das benesses da modernidade.
Esse movimento paradoxal ganha contornos ainda mais interessantes quando se contempla o potencial intelectual do menino, que, ironicamente, depende da tênue luminosidade das velas até para realizar as tarefas mais singelas. Dono de inteligência prática, ele demonstra habilidades para solucionar desafios que outro garoto de sua geração dificilmente enfrentaria, dada a marcante assimetria que permeia suas existências. O tão aclamado progresso, ao alcançá-lo, promete, ainda que em medida reduzida, proporcionar-lhe oportunidade ínfima de cultivar e expandir seus talentos. Pelo menos, é isso que as promessas embutidas no avanço tecnológico sugerem. O cineasta, sensível, nos posiciona de maneira ideal para compreender que certas trajetórias ascendentes não se limitam apenas à iluminação física, enfatizando a complexidade e as variáveis envolvidas em qualquer jornada de desenvolvimento.
Em épocas anteriores, haviam poucos diálogos e quase inexistia qualquer manifestação sonora capaz de se destacar. Gradualmente, nota-se que o pulsar da região acelera, especialmente no comércio. Mostrando que a colonização e o progresso são amigos de longa data, a luminosidade segue destinada a brilhar mais intensamente para aqueles que fornecem, e não necessariamente para os que recebem. Este fenômeno, que reflete a dinâmica da evolução social, reforça a ideia de que a luz, metafórica e literalmente, muitas vezes, resplandece com mais intensidade para os donos da prosperidade do que para aqueles que se encontram na posição de beneficiários.
Há contrastes nessa progressão, é preciso dizer. Girnys emaranha algumas passagens com metáforas estranhas sobre hierarquia e feminismo. Tal divergência também acontece em determinadas sequências que se dissociam do contexto, revelando certo ensaio pré-gravação. Entretanto, não fazem de Samuel e a Luz um objeto de estudo menos interessante. No final das contas, Bazin mantém sua precisão, seja qual for a janela tecnológica da vez.
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