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Crítica


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Sinopse

Dois irmãos finalmente descobrem quem foi o responsável pelo assassinato de seus pais. A vingança vai reuni-los novamente em torno de uma missão comum.

Crítica

Dois irmãos, ambos policiais e truculentos. Eles são muito respeitados dentro da corporação, embora às vezes exagerem nas festas e na mulherada. Dias e Matias são peritos em tiros, luta, e capazes de sobreviver a diversas facadas e socos. Ambos baseiam sua luta diária num trauma na infância – o assassinato dos pais – passando a vida em busca do sujeito responsável pelo crime. Cenas de luta, perseguição, corrida, tiros, incluindo explosões em galpões repletos de bandidos, enquanto o herói foge sem olhar para trás. Dias Santana (Paulo Americano) rouba um caminhão em movimento, salta de um veículo para o outro, agarra-se à caçamba, ergue-se e supera os bandidos. Matias Santana (Raul Rosario) é confrontado por três homens armados, porém desarma o trio antes de um único disparo. Santana (filme de 2016, apenas lançado comercialmente em 2020) possui todas as passagens obrigatórias da ação à moda antiga, do tipo que seria estrelada por Jean-Claude Van Damme ou Dolph Lundgren algumas décadas atrás. Talvez a única novidade, para o público brasileiro, provenha da nacionalidade: trata-se de uma produção angolana, o que garante pelo menos metade de diálogos pronunciados em português, com direito a alguns “Caralho, pá!” que Van Damme não falaria.

A narrativa se destaca não apenas por o que é contado, mas também por como os diretores Maradona Dias dos Santos e Chris Rowland decidem contar. A dupla se apropria do imaginário cristalizado da ação brucutu, ao limite do caricatural: o grande vilão será visto de costas, sobre uma pequena luz direcional e ameaçadora, envolto em densa fumaça de charuto, assim como um adversário de James Bond. A cada chegada de uma Bond girl – ou melhor, Santana girl – a trilha sonora sugere tensão sexual, antes de partir para a música aceleradíssima durante os tiros e brigas. Homens musculosos são mortos com um único golpe, enquanto as lutas são fragmentadas pela montagem ao nível do déficit de atenção. Há flashbacks melodramáticos da infância, ou aterrorizantes quando uma bruxa entra em cena. Durante uma única conversa entre o vilão Ferreira (Rapulana Seiphemo) e seu superior sul-africano, há uma dezena de cortes entre os rostos de um e outro, protocolarmente. Estamos muito próximos da paródia, algo que poderia ser assumido com facilidade diante das construções exageradas. Mesmo os filmes de ação hollywoodianos contemporâneos brincam com suas inverossimilhanças. No entanto, a produção angolana se leva bastante a sério, como se estivesse transmitindo alguma mensagem profunda sobre a luta contra o banditismo e a importância da camaradagem entre irmãos.

O filme dedica tempo considerável a atestar a virilidade dos heróis. Não há uma única mulher dentro da delegacia ou durante as ações policiais que não tenha interesse em um dos protagonistas. Há duas cenas de sexo, uma para cada irmão, filmadas curiosamente pelo mesmo ângulo, e com a mesma posição dos casais na cama, como se o filme quisesse compará-los. Quando Dias tem sua casa invadida de madrugada por ladrões, ele acabou de passar a noite com uma mulher. Em outra casa na cidade, ladrões invadem a casa do irmão, que dorme abraçado a uma bela mulher nua. A montagem efetua maior esforço em espelhar os protagonistas do que o roteiro. No fundo, os personagens têm poucas cenas juntos para construírem qualquer forma de afeto. Os diretores investem na estrutura típica do buddy movie, com Dias sendo o bad cop, enquanto Matias corresponde ao good cop, no entanto, praticamente não há provocações entre ambos. O filme está muito mais preocupado em passear pelo corpo das mulheres dos pés à cabeça, com atenção especial à bunda das atrizes. Não há dúvida de que esta é uma produção feita por homens heterossexuais, para homens heterossexuais, com uma piscadela ao prazer compartilhado pelas armas, pela luta e pela companhia feminina. Mesmo neste aspecto, Santana se revela conservador.

O resultado não atinge nem o extremismo de um filme B, nem o refinamento das grandes produções. As coreografias de luta são bastante simples, os efeitos visuais durante perseguições não impressionam, o clímax numa festa repleta de pessoas belas e perigosas se ressente de esmero na direção de arte e fotografia. As típicas frases de efeito aparecem nos diálogos (“Pessoas vão morrer aqui hoje, mas não será um de nós”, “Vocês são os meus melhores homens, mas a reputação do país vem em primeiro lugar”), mas tampouco provocam risos, nem sugerem a malícia típica dos “adoráveis cafajestes” belicosos de Bruce Willis. Talvez este seja o elemento mais questionável da abordagem de Dias e Rowland: os cineastas se apropriam de cada clichê clássico sem reconhecer a existência prévia dos mesmos. O filme se conduz com o senso de autoimportância de quem propõe estes códigos pela primeira vez, o que resulta em algo ao mesmo tempo anacrônico e genérico. A intromissão absurda da bruxa poderia ao menos romper com o monopólio dos tiros e socos, acrescentando um componente sobrenatural à trama. No entanto, a magia desaparece com a mesma facilidade que surge, abruptamente, no terço final.

Nos papéis principais, Paulo Americano e Raul Rosario fazem o possível dentro de papéis estereotipados. Nenhum dos dois demonstra malícia para os diálogos, mas esta parece ser uma orientação dos diretores, devido ao tom geral do elenco, ao invés de uma limitação dos intérpretes. Ao menos, nenhum deles demonstra vaidade com o corpo e os olhares. Eles encarnam os heróis com a banalidade de quem interpreta um funcionário padrão, não dois dos agentes mais letais e sedutores de Angola. Muitos acontecimentos soam gratuitos (eles descobrem o paradeiro dos inimigos sem que saibamos exatamente como, uma vez que não há investigações em andamento), porém os atores estão comprometidos em atuar como se tudo aquilo tivesse algum sentido. Resta um prazer inocente em testemunhar um filme tão sisudo, e ao mesmo tempo ingênuo, em sua pretensa engenhosidade. Não espanta ao final, quando Santana escancara o caminho para uma sequência. Os produtores apostam na criação de uma franquia, algo que pode vir a ser benéfico à indústria cinematográfica angolana, ainda que contribua pouco ao cinema de gênero, ou à composição de uma linguagem nacional. O filme bebe nas fontes norte-americanas sem refinamento nem senso de invenção. Em algumas cenas, lembra garotos brincando de bonecos, proferindo ameaças fictícias e perseguindo inimigos imaginários. Durante estas brincadeiras, as conquistas parecem, de fato, grandiosas.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Bruno Carmelo
4
Cecilia Barroso
3
MÉDIA
3.5

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