Crítica
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Sinopse
Em busca de um novo começo, Carlos deixa o seio da família. Ele se recorda do tempo em que era funcionário de uma fábrica de automóveis, quando tinha tudo o que queria. A decadência chega e atualmente ele é sócio de uma loja de autopeças.
Crítica
Em Tempos Modernos (1936), Charlie Chaplin era um mero operário de uma grande indústria que passava tanto tempo imerso no trabalho que, após o horário do expediente, tinha dificuldade em se livrar dos movimentos que repetia do início ao fim do dia. Ou seja, sua função era tão automática e carente de iniciativa que a sua própria pessoa acabava por perder identidade, reduzindo-se a uma mera peça de uma engrenagem muito maior, tão gigante que chega a ser impossível dimensioná-la no todo. Esse sentimento não lhe é único, no entanto, e é repartido, dentre tantos outros, também por Carlos, o protagonista vivido por Walmor Chagas em São Paulo: Sociedade Anônima, uma das obras fundamentais na construção da identidade cinematográfica brasileira.
Um dos primeiros longas assinados por Luís Sérgio Person (1936-1976) – cuja presença pelo cenário cultural do país foi tão rápida quanto marcante – São Paulo: Sociedade Anônima discutia, há mais de cinquenta anos, questões muito próximas daquelas que ainda hoje enfrentamos: a desumanização do empregado, a falta de perspectivas nas cidades grandes, o capitalismo acelerado e inconsequente, a ausência de ética na condução do progresso. São debates que seguem urgentes, porém cada vez mais ignorados. Se tanto tempo atrás, mais especificamente entre 1957 e 1961 – período no qual se passa a trama – o Brasil já se via em meio a um processo acelerado de industrialização, do qual acabou tão enredado a ponto de não mais conseguir administrá-lo com parcimônia, hoje as consequências desses alertas parecem ainda mais prementes, fazendo deste um filme tão atual quanto poucos realizados hoje em dia.
Carlos caminha pelas ruas de uma São Paulo arrebatada, com pessoas por todos os lados, todas ocupadas consigo próprias, indo apressadas do nada para lugar nenhum. Ninguém tem tempo ou interesse em olhar para o lado, ao menos até o protagonista – ou seria apenas a câmera de Person? – se aproximar, dando-lhes a falsa impressão de cuidado e preocupação. Carlos olha para todos os lados, mas tudo que vê é o mesmo: peças aleatórias e descartáveis, máquinas em constante movimento, fábricas produzindo sem parar o que todo mundo – ou ninguém – quer comprar. Ele sai do Rio de Janeiro e vai para a capital paulista em busca de uma nova vida, melhores condições de trabalho. Arruma emprego na indústria automobilística, no início da Ditadura Militar, quando o mercado nacional se abre ao estrangeiro e os importados passam a competir de igual com o produto nacional. Assim como ele, muitos fazem o mesmo. E outros tantos enxergam nesse movimento uma oportunidade de ouro. Querem também ganhar, porém em cima do trabalho dos demais.
Assim é o italiano Arturo (Otelo Zeloni, de A Baronesa Transviada, 1957), que faz uso do seu nome na praça e do espírito investido que se propaga pelo Brasil, voltando-se para empréstimos bancários e muitos apertos de mãos, para abrir sua própria fábrica, uma de autopeças que só existe a partir das ações das maiores do ramo. É com ele que Carlos arruma emprego, num misto de apadrinhamento e exploração. Mas esta não a única preocupação do protagonista. Em diferentes espaços de tempo, o vemos envolvido com três diferentes mulheres: Luciana (Eva Wilma, a presença mais marcante em cena), é a situação, o acomodamento, com quem casa e tem filho; Ana (Darlene Glória, uma Brigitte Bardot tropical, despojada e inebriante), a amante interesseira com quem ele não tem muita paciência; e Hilda (Ana Esmeralda, de Quem Matou Anabela?, 1956), a intelectual, que o atraía e repelia na mesma medida, a quem tempos depois encontra morta na cama, motivando uma reflexão a respeito de sua própria existência.
Abertamente influenciado pelo neorrealismo italiano e pela nouvelle vague francesa, Person cria um protagonista forçosamente humano, fraco em suas ambições, inconstante em desejos e que reflete em detalhes a realidade em constante mutação que está ao seu redor. Ele sofre pelas mulheres de sua vida, pela ocupação dos seus dias, pelos horizontes cada vez mais limitados, e quando decide jogar tudo para o alto e fugir, tudo que consegue é retornar ao seu ponto de origem. É um homem infeliz, mas absolutamente contemporâneo, que Chagas compõe de forma quase instintiva, aproveitando cada espaço que o diretor lhe provém. Reflexo de um país jovem e imaturo, São Paulo: Sociedade Anônima parte da cidade mais populosa da nação para revelar de modo cru e sofrido as mazelas de todos nós, deixando claro que o problema é grande demais para ser resolvido com uma ou outra medida: a questão é geracional, intrínseca e tão profunda que talvez somente o recomeço clamado pelo personagem possa fazer algum sentido em meio a tudo isso.
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