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Sinopse

Saturday Night: A Noite que Mudou a Comédia se passa em 1975, quando um grupo de jovens comediantes e escritores mudou a televisão - e a cultura - para sempre. O que aconteceu durante os 90 minutos que antecederam a primeira transmissão de um dos programas mais revolucionários da televisão norte-americana? Como o criador Lorne Michaels conseguiu o improvável e levou sua atração a ser transmitida para todo o país? Filme selecionado para o Festival de Toronto 2024.

Crítica

O programa Saturday Night Live estreou na televisão norte-americana em 1975 tendo como um dos seus atrativos o fato de ser uma das primeiras produções pensadas para a telinha feita quase que em sua totalidade por pessoas que, de fato, pertenciam a uma geração que nasceu junto com a babá eletrônica. Ou seja, eram artistas, roteiristas e produtores que não estavam apenas tentando entender como o meio funcionava, mas com o qual estavam acostumados desde o berço. Pois da mesma forma, o filme Saturday Night: A Noite que Mudou a Comédia poderia ser apontado como fruto de quem não precisou desbravar tais espaços de controle e de criatividade em Hollywood, mas que dentro do sistema se formaram. Eis, enfim, um legítimo “nepo-movie”, visto que do diretor aos principais nomes do elenco, todos aqui foram introduzidos a esse universo desde pequenos. De nada adiantaria, no entanto, se não tivessem talento que justificassem a ocupação desses espaços. Mas desse mal não podem ser acusados, e ao falarem de algo com o qual são legitimamente familiarizados, o fazem não apenas com propriedade, mas com habilidade e entendimento.

Jason Reitman, então, sabe bem do que está se aproximando. Seu pai, Ivan Reitman, foi um dos primeiros a prestar atenção na revolução que essa iniciativa ao vivo em rede nacional estava causando, recrutando talentos como o de Dan Aykroyd (aqui, vivido por Dylan O’Brien) para filmes como Os Caça-Fantasmas (1984). O’Brien não é o único, e ao seu lado estão Gabriel LaBelle e Cooper Hoffman, por exemplo, como outros dos que possuem pais com passagens de destaques pela meca do cinema. Estes dois, aliás, também aparecem em posições importantes: se o segundo é Dick Ebersol, o executivo que investiu nessa ideia original e anárquica, o outro surge como Lorne Michaels, o criador e produtor do programa – sua estante conta com nada menos do que 21 Emmys, entre a mais de uma centena (!) de indicações recebidas até o momento. Só pela temporada de estreia, essa que teve início no dia aqui enfocado, foram duas vitórias: Melhor Programa e Melhor Roteiro para show de comédia e/ou variedades. É um dos casos mais bem-sucedidos de toda a história da televisão nos Estados Unidos. Mas como isso começou? Eis aqui uma tentativa de desenhar esse percurso.

E o caminho escolhido é ousado. Reitman faz do seu filme com exercício de contagem regressiva. Um lema que até hoje serve como guia entre os envolvidos é que uma atração televisiva vai ao ar não quando está pronta, mas no exato momento em que o relógio apontar para o horário fixado para o seu início. No caso do Saturday Night Live, a marca está às 23h30. E Saturday Night, o filme, tem início exatamente 90 minutos antes, às 22h. Ou seja, tem-se pela frente uma hora e meia de corrida contra o tempo. Não há roteiro aprovado. A censora da “moral e dos bons costumes” está atenta e pronta para cortar tudo que considerar inadequado. Alguns dos principais nomes que deverão se apresentar em frente às câmeras ainda nem assinaram o contrato de emprego. O técnico de som se demitiu. O sistema das luzes veio abaixo. O piso de tijolos precisa ser construído em questão de instantes. E uma lhama foi providenciada, ainda que não se saiba ao certo qual será sua função. Os ingredientes estão dispersos por todos os lados. E nem ao menos há a certeza de que, de fato, irão ou não para o ar.

Sim, pois como se fica sabendo no decorrer dessa vertiginosa viagem, esta foi uma atração aprovada para dar errado. Tudo faz parte de uma jogada empresarial, e os diretores dos mais altos níveis da emissora estão certos do fracasso eminente. Querem voltar para o astro anterior responsável pelo horário – o apresentador Johnny Carson – e, sem outra possibilidade de concorrência, visando uma alteração no seu contrato original. Ou seja, faz parte de um jogo ensaiado, no qual todos estão cientes dos seus papeis, menos Lorne Michaels. Escolhido por Steven Spielberg para viver seu alter ego no emocionante Os Fabelmans (2022), LaBelle volta agora como um outro ícone, dessa vez em uma dimensão menor, mas de igual influência. Na pele de Michaels, terá que acalmar ânimos, convencer aqueles que têm a palavra final, contornar egos e dispor com harmonia todas as opções reunidas em um só programa. Sua tarefa, como se pode antever, não foi nada fácil. Mas quem disse que há prazer naquilo que pouco esforço exige?

Com a mesma duração dos eventos vistos no decorrer dos acontecimentos, Saturday Night: A Noite que Mudou a Comédia é também resultado de uma demonstração de habilidade e coesão do seu diretor e roteirista, tão preciso no que inclui, como naquilo que opta por deixar de lado – tal qual seu protagonista na ficção. Não apenas uma aula sobre como fazer televisão ao vivo, tem-se aqui um testemunho a respeito da história do entretenimento, como permitir que a genialidade encontre espaço em meio ao caos e do quão pouco o brilho de verdade necessita para que se manifeste em todo o seu potencial – quando o mesmo encontra condições para tanto. Entre composições surpreendentes (Cory Michael Smith recria Chevy Chase como talvez nem o próprio pudesse imaginar ser possível) e desempenhos que apenas comprovam uma reputação que precede qualquer expectativa (Willem Dafoe está um assombro, percorrendo uma tênue linha que coloca a ameaça e a aprovação mais próximas do que nunca), o conjunto vai enumerando as razões de uma mistura cujos efeitos perduram até os dias de hoje. E uma vez confirmado o óbvio, é provável que o maior problema, após tamanha antecipação, esteja em se contentar apenas com os bastidores, quando se está certo de que todas essas apostas se mostraram à altura do que prometiam. Mas o acender das luzes é assunto para outro momento.

Filme visto durante a 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2024

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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