Crítica
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Sinopse
Saudade só existe na língua portuguesa. O documentário busca entender o significado desta palavra intraduzível. Apresenta a procura do sentimento através da arte, vista pelos olhos de grandes artistas lusófonos contemporâneos, revelando de forma inédita a relação transversal que se estabelece entre a produção intelectual e a saudade.
Crítica
O que esperar de um documentário chamado... Saudade? Essa questão, que naturalmente deve passar pela cabeça do espectador que decidir assistir ao longa dirigido por Paulo Caldas, também deve estar por trás dos motivos que levaram o cineasta a mergulhar na terminologia e nos imensos significados possíveis para uma expressão de uso tão corriqueiro, mas, ao mesmo tempo, inevitavelmente singular. Afinal, só quem a sente, sabe o que esse sentimento lhe representa. E se para cada indivíduo ele é provocado por razões distintas, é praticamente impossível quantificá-las, pois cada um sabe o quanto dói a pedra que está no seu sapato, como diz o dito popular. Paulo sabe disso, e ao mesmo tempo em que não ignora tais possíveis desdobramentos, procura fazer do seu filme um tratado sobre o tema. É um objetivo ambicioso, porém atingido em parte. Diante da magnitude do assunto e das óbvias limitações de tempo e espaço para discuti-lo, o que se tem é uma porta de entrada, que mais aponta caminhos do que oferece soluções.
O que é, afinal, saudade? Ao longo de mais de quarenta entrevistas, dispostas durante pouco menos de 80 minutos de duração, e em um formato assumidamente tradicional, com cabeças falantes e imagens ilustrativas ligando uma a outra, o realizador tenta mostrar não apenas o que o termo pode significar para ele – uma ou todas as respostas apresentadas? – mas, também a diversidade que há por trás da questão. A saudade de quem perdeu, aquela de quem está longe e também a que não possui cura. O que sente o que errou e aquele que está arrependido. Saudade é de quem fica, e não de quem parte. É, portanto, um peso a menos a ser carregado, ou algo a mais a ser suportado pelos que ficaram para trás, que foram esquecidos, abandonados, deixados. Não é algo bom, mas também não precisa ser necessariamente ruim. É uma culpa católica, diz um – “fomos expulsos do Paraíso e ansiamos pela oportunidade de voltar” – ou apenas um querer alimentado por uma possibilidade que pode, ou não, se concretizar?
É interessante pois, enquanto coprodução entre Brasil, Portugal e Angola, o cineasta explora bem entrevistados dos três países. Afinal, tem-se como verdade universal o fato de que a palavra “saudade” e seu significado só existem na língua portuguesa. Como fazem, portanto, os ingleses, norte-americanos, espanhóis, chineses ou africanos quando sentem... saudade? Ou, por não compartilharem da expressão, desconhecem o que representa e, por isso mesmo, seriam mais afortunados do que todos nós, sendo, assim, incapazes de sentirem o mesmo? Nem tanto ao céu, nem mesmo ao inferno. Este é um caminho interessante, que poderia ter sido melhor explorado pelo realizador. No entanto, nos deparamos apenas com uma alemã, dentre todos os depoentes, comentando sua surpresa ao primeiro contato com a palavra e como mudou sua percepção após inserir essa condição à própria vida.
Saudade pode ser traduzido, ao menos na língua inglesa, como “homesick”, ou seja, “dor de casa”. Os mais poéticos talvez possam ir mais longe, buscando definições com “dor do mundo”. É muito bonito, mas igualmente sofrido. É a falta de algo, e esse é o senso comum. Caldas conduz sua investigação com delicadeza por esses caminhos, e as belas imagens que registra entre um momento e outro ajudam a compor esse cenário enternecedor. Mas saudade também é perturbação, é inquietação, é algo que, ao invés de apaziguar, provoca e incomoda. E se o mar está calmo, é bom saber que esta é uma impressão apenas na superfície. Quem vive com saudade, nunca dorme tranquilo, pois está sempre a postos, no aguardo pelo momento certo de por fim a ela.
Bairristas como somos, é estranho escutar sotaques mais carregados, de portugueses e angolanos, discorrendo sobre o que este termo que parecia ser tão nosso. Lusitanos, principalmente, possuem elegantes explicações, calcadas na história que carregam – afinal, já foram a nação dona do mundo, e hoje mal conseguem se manter relevantes. O quanto não dariam para poder reviver estes séculos de glória? Ao mesmo tempo em que é compreensível, também permanece distante. Pois, aos brasileiros, o que nos compete nessa discussão? Saudade nasce e morre no mar, parece. É bonito, mas também apático. Interessante, mas não muito mais do que isso. Um filme para iniciados, que fala para entendidos, mas que sofre para se fazer entender até entre aqueles que partilham da mesma linguagem. A decisão de só ouvir artistas e criadores é igualmente passível de discussão – seria necessária uma alma mais leve para sofrer de saudades? Pouco se faz, portanto, para universalizar a verdade por trás dessas letras. E assim, continua o enigma: tão nosso, tão real, mas tão inimaginável para qualquer um que a desconheça.
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