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Crítica


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Sinopse

Fish é uma garota grávida do Harlem que luta para livrar seu marido de uma acusação criminal injusta e de subtextos racistas, a tempo de tê-lo em casa para o nascimento de seu bebê.

Crítica

Baseado num romance do escritor James Baldwin, Se a Rua Beale Falasse aborda um amor marcado brutalmente pelo racismo. Tish (KiKi Layne) e Fonny (Stephan James) formam um casal completamente enamorado, cujo vínculo é valorizado pelos anos de convivência. Eles se conhecem desde pequenos e, de uma hora para outra, percebem-se ligados por algo a mais que o inocente companheirismo. Aliás, o cineasta Barry Jenkins faz do momento mútuo de descoberta do sentimento uma passagem tão lírica quanto íntima, algo potencializado pela narração da jovem que detalha a praticamente epifania ao olhar o então amigo e perceber verdadeiramente a sua beleza. Utilizando uma estrutura que alterna os tempos narrativos, o cineasta dá conta de entrelaçar passado e presente de maneira pungente. De cara, prevalece o cuidado com os figurinos, a predominância de vibrantes vermelhos e amarelos, a elegância dos personagens, bem como sua predisposição ao bom gosto, o que enche o filme de excelente música.

A felicidade é quebrada pela incriminação de Fonny, encarcerado previamente por ser o principal suspeito de ter estuprado uma mulher porto-riquenha. Com ele aprisionado, resta a Tish enfrentar, a despeito da pouca idade e experiência, a hostilidade de um mundo que dificulta as coisas por ela ser mulher e negra. Regina King interpreta a sua mãe, aquela que move montanhas para salvaguardar a filha e o neto prestes a chegar. Dentre os coadjuvantes, seguramente é a que se destaca, mesmo porque os demais perdem espaço na medida em que a trama se aprofunda na contundência do discurso racial. Barry Jenkins entrecorta esse drama pessoal com fotografias de outras arbitrariedades da polícia majoritariamente branca contra uma população vítima de preconceito, e cujos corpos e autoestimas são frequentemente vilipendiados. É uma pena, no entanto, que alguns segmentos empalideçam nessa progressão, vide o esquecimento dos núcleos familiares, tão bem acessados numa sequência de tensão.

Pontualmente influenciado por Os Guarda-Chuvas do Amor (1963), especialmente no que tange à aplicação saturada das cores e à dinâmica de um relacionamento combalido por fatores externos, Se a Rua Beale Falasse desenha com parcimônia e beleza o envolvimento de Tish e Fonny, sendo terno no mais das vezes, embora exiba uma frieza involuntária em várias passagens. Barry Jenkins não aperta determinados botões na hora exata, comprometendo a modulação emocional do filme. Para compensar, a esfera romântica é bonita, com a elaboração de um sentimento que demove expectativas contrárias à sua manutenção. Para contrabalançar os instantes em que os protagonistas são afrontados pelo racismo, seja ao buscar um apartamento para morar ou simplesmente enquanto fazem compras no supermercado, surgem atitudes acolhedoras, como a do judeu vivido por Dave Franco ou a do latino encarnado por Diego Luna. A mensagem de apoio entre os perseguidos é bastante clara.

Depois de uma cena intensa, cuja intenção é deflagrar a diferença brutal de pontos de vista e condutas domésticas, os pais de Tish e Fonny, com exceção de Sharon (Regina King), são relegados à periferia da ação principal que dá conta dos esforços hercúleos para provar a inocência do homem com sérias possibilidades de ser acusado por algo que não cometeu. Barry Jenkins é sensível o bastante para, em meio aos questionamentos à mulher acusadora, preservar a dor da abusada sexualmente, pontuando a instrumentalização de sua fragilidade pela policia como outro indício da perversidade de farda. KiKi Layne e Stephan James estão ótimos como as figuras centrais dessa tragédia com tintas líricas, gerada pela discriminação racial, em que bate forte a constatação da dificuldade de viver com medo dos agentes da lei e sem um pingo de liberdade, como se os grilhões da escravatura ainda tilintassem de alguma forma. Mesmo morno ocasionalmente, é um filme bonito e com certas fagulhas de grandeza.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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