Crítica

O sucesso arrebatador de Tropa de Elite (2007) – e, principalmente, de Tropa de Elite 2 (2010), que, com mais de 11 milhões de espectadores, é o longa nacional de maior bilheteria de todos os tempos – estranhamento gerou menos produções similares do que se poderia imaginar. Talvez tenha sido a ascensão da comédia televisiva ou a falta de bons roteiros sobre o tema, mas poucos realizadores decidiram se aventurar pelo gênero nos anos seguintes. Exemplos pontuais foram vistos no estelar Assalto ao Banco Central (2011), no problemático Jogo de Xadrez (2014) ou no recente Operações Especiais (2015), por exemplo. E agora tem-se mais um nesse filão: Se Deus Vier que Venha Armado, drama policial escrito e dirigido pelo paulistano Luis Dantas. E o resultado, se não chega a empolgar como alguns dos seus semelhantes, por outro lado possui méritos suficientes para sustentar o interesse do espectador.

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Primeiro longa de Vinícius de Oliveira como protagonista desde sua estreia, ainda criança, no aclamado Central do Brasil (1998), em Se Deus Vier que Venha Armado o jovem – que, felizmente, percebemos ter se tornado um ator adulto com potencial próprio – aparece como Damião, um presidiário que é solto por apenas 72 horas, durante o indulto do Dia das Mães. Ao mesmo tempo em que vai ao reencontro do irmão e se depara com antigas amizades, terá também que dar cabo a uma missão que lhe é encomendada ainda dentro da prisão: fazer uma entrega para o crime organizado. Neste caminho, terá como companhia o amigo Palito (Ariclenes Barroso) e uma professora de hip hop, a bela Cleo (Sara Antunes, de Teobaldo Morto, Romeu Exilado, 2014).

Se fosse apenas nessa linha, certamente os méritos do filme seria potencializados. Infelizmente, essa não é a decisão tomada pelo diretor, que decide explorar um paralelo com a jornada de Jeferson (o estreante Leonardo Santiago), rapaz de boa índole, criado pela avó e que no seu tempo livre se dedica à música e aos colegas sambistas. Ele, no entanto, está começando sua carreira como policial, e logo nos primeiros dias é escalado para a patrulha de um sargento corrupto (Giulio Lopes, de Contra Todos, 2004). E o que se dá é o esperado nesse tipo de abordagem: excesso de violência, truculência e desrespeito. Os pobres são ou ladrões, ou injustiçados, vítimas do sistema. A força da lei é cega, despreparada e exagerada. Não há meio termos. E qualquer um que se colocar na mira de um lado ou de outro pode ter um destino irreversível.

Quando a tragédia acontece, Se Deus Vier que Venha Armado opta por deixar de lado essa discussão até então perseguida – a inspiração assumida do realizador foi a onda de ataques da facção criminosa do Primeiro Comando da Capital, em 2012, que deixou centenas de mortos e feridos, muitos deles inocentes – e se refugia em um cenário mais íntimo e idílico. Força-se um triângulo amoroso desajeitado entre Damião, Palito e Cléo durante uma ida à praia. A cidade é abandonada, personagens que pareciam importantes são relegados a um segundo plano – quando não simplesmente ignorados – e uma resolução por demais simplista ganha espaço. Esvazia-se uma possível discussão em nome de um formato talvez mais acessível, porém menos interessante.

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Se Deus Vier que Venha Armado – título retirado de uma canção do Pavilhão 9 – tem muitos elementos em cena dignos de atenção, e talvez seja justamente esse excesso o seu maior problema. Sem saber como harmonizá-los de forma equilibrada, o realizador acaba forçando conexões que se revelam artificiais entre os personagens, além de desperdiçar algumas possibilidades que mereciam ser tratadas com maior cuidado. Resta, no final, a curiosidade de descobrir um novo talento – Ariclenes Barroso é um nome a ser guardado, com uma força interior impossível de ser ignorada – e a percepção de um filme que tangencia assuntos prementes e bastante atuais, porém sem a coragem suficiente de aprofundá-los da maneira como merecem.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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