Crítica
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Sinopse
Um cineasta apaixonado por oceanos decide documentar os danos causados pelas espécies marinhas. No entanto, ele acaba descobrindo uma teia global de corrupção.
Crítica
Desde o começo, o cineasta Ali Tabrizi deixa em evidência uma perspectiva muito pessoal. Aliás, o primeiro bloco de Seaspiracy: Mar Vermelho está mais próximo de uma autoapresentação do que necessariamente de um esforço simplesmente contextual. O jovem se preocupa em explicar os motivos que o levaram a investigar os inúmeros crimes ambientais que acontecem em mares e oceanos. Ele dá particular valor ao que parece considerar a sua consciência acima da média, para isso citando doações de montantes variados a instituições supostamente encarregadas de patrulhar predadores globais e o uso de talheres não descartáveis. Com tal intuito, chega ao ponto de mostrar-se recolhendo lixo nas praias, altruisticamente. Além disso, quando de fato as viagens começam e as reflexões ganham em complexidade, para além da autoleitura como alguém pretensamente fazendo sua parte, há um incômodo por conta da forma como a narração estabelece reiterações excedentes. Em vários instantes as falas antecipam o que vai acontecer, em outras elas surgem meramente como pontuações à beira do descartável. Essas fragilidades formais se diluem um pouquinho no decurso.
O grande valor de Seaspiracy: Mar Vermelho é sua voracidade investigativa. Ali reúne informações valiosas para entendermos o cenário alarmante quanto a tópicos vitais concernentes aos ecossistemas marítimos e oceânicos. Dispondo de meios para transitar entre países com características singulares ele, por exemplo, se aventura numa cidade japonesa célebre em virtude da caça desenfreada de baleias. A despeito das regulamentações internacionais, naquele lugar diariamente as águas são enrubescidas pelo sangue dos mamíferos que sucumbem à sanha humana. Nesse segmento do documentário, interessante notar como, ao largo dos flagrantes, também é possível observar ao menos o esqueleto da rede nociva. Ela é formada por pescadores inescrupulosos, autoridades locais absolutamente coniventes e organogramas estatais inclinados a proteger atividades mais próximas do que se imagina do crime. O realizador vai desenrolando um fio aparentemente infinito de atrocidades visando chegar a respostas sobre a blindagem do esquema da pesca industrial. Esta não é apenas testemunhada em todo o seu poder de destruição, mas comentada como tal.
Para Ali Tabrizi não basta mostrar um navio pesqueiro enorme, do qual escoa o sangue capaz de incitar nossa leitura sobre a matança. Ele se sente impelido a salientar aquilo por meio da narração. Se o cineasta estivesse preocupado em manter relevante o seu prisma, a opção poderia ser melhor justificada. Todavia, rapidamente Seaspiracy: Mar Vermelho apresenta a voz do protagonista basicamente como facilitadora, uma escora e tanto ao dado meramente informativo. As questões descobertas ao longo da caminhada extensa são apavorantes. Segundo elas, campanhas para diminuir o consumo de canudos de plástico não deveriam ser tratadas como prioridade governamental, dadas as estatísticas que atribuem mais de 50% do detrito plástico no oceano aos rejeitos da pesca industrial. A constatação tem peso. Sua confirmação por especialistas, estudiosos e ativistas cria a consistência dessa retórica da denúncia. A persecução do dinheiro aumenta a clareza a respeito de certas circunstâncias, vide a atuação praticamente burocrática e protocolar (quando não acoberta deliberadamente) na distribuição de selos de responsabilidade social que sequer podem ter a eficácia devidamente comprovada.
Do ponto de vista da informação, Seaspiracy: Mar Vermelho é um apanhado de conhecimentos intencionalmente alijados da sabedoria popular. As ilustrações ocasionais ajudam o conjunto no que diz respeito a esse desejo manifestado de transferir ao espectador a estupefação do cineasta num processo de agregar camadas às próprias concepções. Há um novelo evidente de descobertas e ressignificações. Quanto à maneira de modular e desenvolver esse manancial de conhecimentos e entendimentos, o documentário se mostra menos inspirado, conformado demasiadamente com as características que o aproximam do jornalístico. O Ali Tabrizi personagem se autodilui na narração ilustrativa que eventualmente consegue expressar prioritariamente suas respostas emocionais. Depois de inquirir aliados e estranhos, extraindo dessas conversas o sumo à compreensão de um cataclismo distante dos olhos da maioria da população, ele retorna a si para apresentar as repercussões íntimas daquilo. Logo após demonstrar o quanto é obscura a questão da escravidão no mar – longe das autoridades, com trabalhadores à mercê do autoritarismo perverso dos patrões –, ele diz que resolveu mudar hábitos, oferecendo-se como um sujeito modificado pela jornada, assim retornando estranhamente à mensagem inicial, a do “estou fazendo a minha parte”. Agora menos inocente, porém ainda autocentrado como no início.
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