Sinopse
Sebastian conta a história de Max, um escritor freelancer de 25 anos que vive em Londres, Inglaterra. Durante a noite, ele se torna uma outra pessoa, um trabalhador sexual que usa suas experiências com os diversos clientes que atende como base para o seu romance de estreia. Exibido no Festival de Sundance 2024.
Crítica
Quem é Sebastian? É provável que nem o próprio saiba ao certo. Mas se essa questão, ao menos para ele, permanece no campo da dúvida, se pode apontar com tranquilidade que aqueles que com ele mantém contato, esses, sim, não possuem a menor ideia sobre a verdadeira natureza do rapaz. Afinal, seu nome verdadeiro é Max. Um garoto reprimido, bastante tímido, que saiu do interior para morar em Londres e aspirar à carreira de escritor. Enquanto isso, consegue um ou outro trabalho como jornalista, muitas vezes se valendo de sua orientação sexual – um homem gay – para imprimir autenticidade e um toque pessoal nas matérias que redige. O problema é quando isso vai longe demais. O mote de Sebastian, como se percebe a partir de uma rápida análise, mexe tanto com a curiosidade do espectador, quanto com sua relação com pautas mais urgentes e contemporâneas a respeito de identidade, minorias, relacionamentos e dar voz àqueles que pouco são ouvidos. Trata-se de uma mistura ambiciosa, por vezes alcançada com destreza, mas em outras tantas apenas ameaçada, sem atingir, no entanto, a profundidade desejada, permanecendo numa brevidade que pouco colabora com uma discussão mais ampla.
Max tem 25 anos e o rosto de Ruaridh Mollica, ator que se mostra fruto de uma derrubada de fronteiras. Nascido na Itália, é protagonista deste filme falado em inglês e ambientado em grande parte na Inglaterra, por mais que tenha sido dirigido por um cineasta finlandês, numa coprodução que só se mostrou viável a partir de investimentos vindos da Bélgica. Esse olhar pelos bastidores se confirma real também no âmbito da ficção. Max não se contenta apenas com o que sua visão alcança. Ele ambiciona ir além. Não apenas com seus esforços profissionais, mas também em suas motivações criativas. Sente-se como parte de um ambiente privilegiado, circulando por prédios espelhados, frequentando cafés descolados, com casacos de gola alta e seus laptops a tiracolo, em meio a muito cinza e empostação. Pensa ter nascido para tudo isso que agora tem acesso, como se tivesse sido apenas uma questão de tempo ter chegado aonde está. Mas não basta finalizar a corrida. É preciso saber se manter. Um passo talvez ainda mais difícil do que todos os outros dados até então.
Em uma reunião de pauta na revista da qual faz parte do time de colaboradores freelancer, não consegue evitar um disfarçado sorriso de desdém ao ouvir um posicionamento de um colega, que pergunta: “mas o que importa não é a qualidade do texto, ou se trata somente sobre aquele que o escreve?”. A dúvida é válida. Afinal, a proposta é uma entrevista com um consagrado autor queer. Somente alguém que compartilhasse da mesma orientação seria capaz de atingir esse tipo de sensibilidade? Mikko Mäkelä, que não apenas assina a direção, mas também atua como roteirista, não se exime em levantar tais provocações. Mas o que faz com elas, a partir do momento em que são postas? Muito pouco. Pois não demonstra persistência suficiente para se aprofundar nesse tipo de debate. Sua pretensão é mais contida, e diz respeito apenas àquele no centro da discussão. Max, o jovem que se acredita estar acima destas questões mundanas, ao mesmo tempo em que tão facilmente perde controle do recurso do qual faz uso em nome de sua arte.
Como um Jekyll e Hyde frustrado, Max dá vazão à Sebastian como um profissional do sexo. Não por uma intenção primária, como vício em sexo ou mesmo falta de dinheiro. O que lhe interessa é vivenciar essa possibilidade, um tabu mesmo entre os contextos mais modernos, para, a partir disso, escrever a respeito. Hoje está como jornalista, mas sua mente está no amanhã, se vendo romancista. Não imaginava, porém, ser tão difícil separar um lado do outro. E quando as coisas começam a se misturar, uma decisão terá que ser feita. Dar prioridade a uma carreira que está recém começando e ainda tem muito a se exercitar e aprender, ou seguir, como tantos como ele, acreditando que basta querer, para ser. Porém, esquece que não está sozinho. A cada cliente atendido, todo chamado que atende, com uma nova pessoa se estabelece contato, abrindo um mundo de conexões e caminhos, por vezes desejados, em outros a serem evitados. Não se trata mais de um mero abrir ou fechar do acesso à internet. Há outras vontades e anseios envolvidos. E essa harmonia, de tão difícil acesso, se torna ainda mais complicada pela resistência do personagem em se mostrar real. Assim como do realizador em separar a ficção do que se vê nas ruas, como se a fantasia por ele almejada fosse possível de ser concreta.
Mäkelä é um cineasta bastante jovem (nascido em 1989) e fortemente identificado com o cinema LGBT+. Seu longa anterior, Amor Entre os Juncos (2017), também partia de condições adversas, dentre as quais o sentimento e a paixão davam um jeito de se sobreporem. Em Sebastian ele amplia a proposta, inserindo elementos como a transposição dos limites entre arte e urgências práticas, levando seu protagonista a uma derrocada familiar, social e profissional por não conseguir separar o exercício – e a crença que dele provém – de responsabilidades óbvias, como atender prazos, horários e compromissos assumidos. O conjunto é interessante, Mollica impressiona na defesa de um personagem altamente controverso e questionável, mas é de se lamentar a insistência do todo em tender ao ilusório, em detrimento do crível e razoável. Como se o conto de fadas fosse parte de um mundo que tanto dá, quanto retira. Uma lição que apenas a experiência proporciona, independente de qual lado da tela o objeto de estudo se encontre.
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