Crítica


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Sinopse

No auge de sua popularidade por conta do sucesso de vários filmes rodados na França, a atriz Jean Seberg volta aos Estados Unidos em 1968 e se envolve com Hakim Jamal, ativista de direitos civis. Ela logo se posiciona a favor dos Panteras Negras, passando a ser uma das financiadoras do movimento, em paralelo mantendo um caso amoroso com Hakim. O FBI acompanha tudo isso bem de perto.

Crítica

Em seu retrato sobre Jean Seberg (Kristen Stewart), o diretor Benedict Andrews se interessa por um aspecto curioso da vida da atriz. Um caminho evidente seria percorrer a ascensão nas artes dramáticas, incluindo o sucesso na França e o retorno ao cinema comercial norte-americano. Outra possibilidade diz respeito à inserção da estrela num conturbado contexto sociopolítico, marcado pela ascensão dos Panteras Negras nos Estados Unidos e pela luta de direitos civis de modo mais amplo. Ora, o filme busca um caminho intermediário, pequena intersecção entre estas duas esferas, ou ainda uma nota de rodapé na vida de Seberg: o romance com o ativista Hakim Jamal (Anthony Mackie), homem sequer associado aos Panteras Negras, porém próximo de alguns membros do grupo. Em outras palavras, esta biografia se apropria de um dado marginal da vida da atriz e o combina com um dado marginal na história das lutas sociais norte-americanas.

O foco se encontra na possibilidade de amores e decepções: Seberg trai o marido, envolve-se com um homem casado, aproxima-se da esposa deste, engravida de mais de um homem diferente. Por um lado, pode-se aplaudir o fato que o roteiro jamais julga sua protagonista pela sexualidade e pelas histórias de amor: a atriz é vista como uma mulher livre, relacionando-se com quem bem entende, enquanto possui a certeza de que o marido francês também a trai. Além disso, ela é preservada de julgamentos morais através de uma mistura de coragem e ingenuidade: ao financiar os Panteras Negras, ela parece não compreender que possa sofrer represálias do FBI. “Eu quero ajudar vocês. Cinco mil dólares está bom?”, dispara a mecenas/socialite, enquanto saca o talão de cheques. Alguns diálogos questionam a posição desta mulher branca numa luta dos negros, mas em pleno 2019, efetuar uma produção sem questionar o lugar de fala ou a busca de tomar protagonismo na militância alheia soa ingênuo, para não dizer irresponsável – não muito distante das atitudes da protagonista.

Talvez o aspecto mais questionável desta biografia seja seu ponto de vista. Andrews poderia falar sobre a luta de uma mulher feminista, sobre os efeitos colaterais do ativismo dos Panteras Negras – dentro do qual a perseguição a Seberg constituiu um caso à parte, inferior às retaliações efetuadas contra membros ativos dos Panteras. No entanto, a produção prefere enxergar a existência de uma vítima (a jovem atriz que só queria ajudar, mas foi tragada pela política norte-americana) e de um herói: Jack Solomon (Jack O’Connell), agente do FBI que poderia prendê-la, poderia fazer da vida da atriz um inferno, mas escolhe não fazê-lo por ser um homem bom, contrário à corrupção no governo, e apaixonado pela estrela de Acossado (1960). De certo modo, o real protagonista é ele, que possui longas sequências de desejo e culpa: Jack observa fotos de sua musa/vítima numa sala escura, ao som de jazz sensual, e depois toma um longo banho enquanto pensa nela. Pobre agente do FBI que contribuiu a persegui-la, que a impulsionou ao suicídio, mas se arrependeu depois. Seberg e os Panteras não constituem sujeitos do filme, e sim objetos de estudo. Eles são vistos por olhos alheios, analisados por terceiros, enquanto descobrimos pouco sobre suas emoções de fato.

Por esta razão, o título nacional soa deslocado. Seberg não se posiciona “contra todos”, visto que seu engajamento se limita às doações financeiras. Ela não milita nas ruas, nos partidos, nas convenções. Ela não aplica a defesa dos negros em seu dia a dia, nem nos raros bastidores de filmagens que o espectador possa ver. “Todos contra Seberg” talvez fosse uma enunciação mais correta, em função da posição de vítima reservada a Seberg, e da caça às bruxas lançada pelo governo contra ela. O melhor aspecto do filme se encontra na constatação de que a política anticomunista e antiprogressista possui um óbvio componente misógino. Andrews cria alguns vilões simplórios – provavelmente para tornar Jack ainda mais bondoso, em comparação – porém ainda assim percebe uma diferença fundamental entre o tratamento dos gêneros. Se Dorothy Jamal (Zazie Beetz) não fosse uma figura tão histérica, e Linette Solomon (Margaret Qualley) não correspondesse à típica “esposa do herói”, ética e compreensiva, o painel feminino poderia ser ainda mais interessante.

Por fim, a produção se perde em termos de tom e estilo: a construção da atriz perseguida se presta ao drama ou melodrama, porém a montagem insiste em histórias paralelas e na trilha sonora macabra para induzir a possibilidade de suspense psicológico – com a pressão, Seberg se torna paranoica e suicida –, ao passo que as inúmeras cenas no FBI, com Jack ouvindo fitas e fazendo gravações escondidas, conduzem à impressão de um suspense policial. O filme não se decide entre retratar Jean Seberg enquanto uma patricinha ingênua e endinheirada, uma ativista destemida ou uma mulher progressivamente enlouquecida pelas versões fomentadas por todos ao seu redor – existe uma constante sensação de gaslighting no horizonte. A escolha de Kristen Stewart no papel principal favorece a ambiguidade entre estas fronteiras, visto que os olhos morosos e a fala pouco articulada afastam a possibilidade da grande líder ou da mulher que amou intensamente. No corpo de Stewart, Seberg adquire uma indiferença e um despojamento que podem ter interessado ao cineasta. No entanto, ela tampouco imprime qualquer vigor à personagem. Terminamos a jornada descobrindo as opiniões de cada um sobre a jovem atriz – seja os Panteras Negras, as altas esferas do FBI, o sensível Jack, a mídia, o marido traído. No entanto, a atriz ganha pouca possibilidade de contar a si própria, em primeira pessoa.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
4
Francisco Russo
4
MÉDIA
4

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