Crítica
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Sinopse
Sergey é um soldado soviético contando os dias para o fim do serviço militar durante a Guerra Fria. No entanto, sua vida muda drasticamente com a chegada de Roman, um audacioso piloto de combate por quem ele se apaixona.
Crítica
Houve um tempo, até não muito atrás, no qual homossexuais eram reiteradamente representados no audiovisual – seja no cinema ou na televisão – de uma forma, ou de outra: ou como alívios cômicos, entre o deboche e a ingenuidade, ou de modo vilanesco, como se a sua orientação sexual de uma maneira enviesada fosse determinante também para uma falha de caráter. Aos poucos, de modo muito mais lento do que seria recomendado, tais visões foram se alterando, mas ainda não para a leitura saudável que aqueles que vivem essa realidade poderiam almejar: ao invés de servirem de piada ou de expiação de culpa, passaram a ser vistos como seres atormentados, movidos pelo arrependimento e baixa autoestima, que invariavelmente caminhavam rumo a um destino infeliz. Alguns mais atentos poderiam afirmar que seriam interpretações equivocadas e envelhecidas, mas eis que surge um filme como Segredos de Guerra para provar que nem todo deslize ficou, de fato, no passado.
No drama escrito e dirigido por Peeter Rebane, Sergey (Tom Prior, de Kingsman: Serviço Secreto, 2014) é um oficial novato que fica visivelmente perturbado com a chegada de um novo oficial no quartel onde tem prestado serviço. Roman (Oleg Zagorodnii), por sua vez, é alto e moreno, do tipo que faz todos os pescoços se virarem em sua direção quando passa, tanto homens quanto mulheres. Ele é também uma figura, por assim dizer, “moderna” – se interessava por arte, fazia exercícios e era gentil com as mulheres – diferente dos tipos ranzinzas e castradores que povoam os altos escalões do exército russo no final dos anos 1970, quando a Guerra Fria era motivo para todos estarem sempre com os ânimos exaltados e as tensões à flor da pele. Por isso mesmo, quando um se percebe atraído pelo outro – e vice-versa – se faz ainda mais necessário manter a ligação entre eles às escondidas. Levantar qualquer tipo de suspeita sobre os dois poderia significar o fim das aspirações profissionais ou políticas de ambos.
Rebane, nascido na Estônia (então antiga União Soviética), era conhecido apenas por ter dirigido um videoclipe do Pet Shop Boys (Together, 2010) e um documentário que registrou a visita do cantor Robbie Williams à cidade natal do cineasta (Live in Tallinn, 2013). Esse passado musical, por assim dizer, em nada se manifesta em Segredos de Guerra, conduzido de forma sisuda e excessivamente controlada, como se a todo instante temesse sair dos padrões por si mesmo impostos. Esse contexto presenciado no ambiente militar, ainda que não fosse necessário, acaba por tomar conta da narrativa. Afinal, Sergey está prestes a encerrar seu tempo obrigatório sob a farda, e assim que é liberado, trata de ir atrás de sua verdadeira vocação: os palcos. Se muda para uma região mais cosmopolita, passa a conviver com outros artistas e tem sua visão de mundo alterada – mas não tanto. Pois segue apaixonado pelo homem que não teve coragem para assumir um sentimento que também compartilhava. Esse, por sua vez, opta por um caminho mais tradicional, aceitando um casamento às pressas e progredindo na carreira justamente por fingir ser quem, de fato, não era.
Há muito, como se percebe, a ser desenvolvido. No entanto, Rebane faz tal qual um dos seus protagonistas, e acaba repetidas vezes seguindo pelas trilhas mais fáceis e confortáveis. Para começo de conversa, eis aqui uma história de amor que em nenhum instante chega a exibir essa temperatura em ebulição na tela. Os dois rapazes são colocados juntos quase que como numa obrigação, pois não há nada em suas expressões que indique a atração que deveriam sentir. Zagorodnii aposta em uma empáfia pouco explorada, e sua suposta divisão entre o amante e a esposa ganha ares de comédia de costumes, tão simples soa ser sua transição entre um e outro. Já Prior demonstra ainda mais fragilidade em uma construção que se baseia em um rosto desprovido de maleabilidade, dotado sempre da mesma feição, independente do momento em que se via. Suas resoluções são levianas, as mudanças de postura alternam como o vento, e o que pretendem para si e para os outros precisa ser constantemente repetido, uma vez que sutileza não faz parte do menu. Descobrir que Tom Prior é também co-autor do roteiro aumenta ainda mais a sensação de constrangimento provocada pelo conjunto.
Concebido de forma ultrapassada, Segredos de Guerra parece ser o tipo de produção que talvez até fizesse sentido dentro de uma lógica problemática trinta ou quarenta anos atrás, mas nunca em pleno Século XXI. Ainda assim, é provável que conseguisse se justificar caso a história de amor que explora fosse, de fato, arrebatadora – o que não é, e afirmar que “se baseia em um episódio real” não é suficiente para suscitar a torcida ou o lamento desejado – ou se ao menos o contorno (cenários, atuações) se mostrassem envolventes a ponto de valer o investimento do espectador, algo que também não se verifica. Os entrelaces românticos entre os protagonistas parecem pensados como soft porn para senhoras envergonhadas, com dois modelos, ao invés de atores de verdade, enquanto que as paisagens pelas quais transitam – seja o beijo roubado no mar aberto, atrás de uma rocha estrategicamente posicionada, ou nos passeios a dois por uma cidade curiosamente despovoada – são tão artificiais que prejudicam qualquer esforço de verossimilhança por parte dos realizadores. Tá certo que a trama se passa cinquenta anos atrás. Não por isso deveria se imaginar que a audiência também seria a da mesma época.
Filme visto durante a 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2022
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 4 |
Alysson Oliveira | 4 |
Bruno Carmelo | 3 |
MÉDIA | 3.7 |
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