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Crítica


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31 votos 6.2

Onde Assistir

Sinopse

Coisas horripilantes começam a acontecer quando dois irmãos descobrem um estranho buraco na casa dos avós. Esperando que a mãe melhore depois de um acidente de trânsito, Pim e Putt encaram segredos macabros de família.

Crítica

Há alguns anos, o lançamento comercial de um filme tailandês no Brasil seria um acontecimento. Num mercado dominado por produções de centros hegemônicos – Estados Unidos e Europa, principalmente –, havia pouco espaço a exemplares de cinematografias periféricas. Mas, o advento do streaming tornou comum esse tipo de estreia por aqui, embora a sensação predominante, por enquanto, é a de que as curadorias desses serviços não estão preocupadas com as particularidades nacionais, mas com o quão genéricas são as tramas (e assim facilmente assimiláveis pelo público ocidental). Segredos nas Paredes não tem uma premissa das mais raras, afinal de contas quantos filmes de horror apresentam pecados familiares voltando como ameaças sobrenaturais obsessivas? Porém, o que torna a experiência penosa são os detalhes. É como diz o provérbio: “o diabo mora nos detalhes”. Senão vejamos. Um jovem é apresentado ao espectador como alguém introspectivo à mesa, atento aos próprios desenhos e alheio aos apelos da mãe para socializar. Na cena imediatamente seguinte, ele está todo serelepe no carro justamente socializando com a mãe e a irmã. A quebra, que não carrega uma intenção dramática, está mais para falha de continuidade emocional, o que ameaça o entendimento sobre o personagem. E são várias as ocasiões similares em que as alterações são apressadas.

Depois de um acidente que quase mata a mãe dos protagonistas, eles são visitados pelos avós que nunca tinham conhecido. Paira no ar a expectativa quanto à identidade dos idosos. Especialmente se você assistiu à A Visita (2015), de M. Night Shyamalan, tende a ficar com um pezinho atrás quando os parentes distantes aparecem para reivindicar a participação na vida dos jovens. E em Segredo nas Paredes um dos adolescentes chega a questionar: “será que eles são realmente os nossos avós?”. E o que o realizador faz com essa dúvida que poderia acentuar a tensão? Não muita coisa. Sem estímulo, essa incerteza fundamental acaba sendo desperdiçada, como tantos elementos do filme. Outro componente que perde rapidamente a importância (se é que em algum momento ele tem) é a chantagem do adolescente que possui um vídeo de Pim (Sutatta Udomsilp) tomando banho. Toda a dinâmica da extorsão que envolve o irmão da ameaçada, Putt (Mac Nattapat Nimjirawat), se torna praticamente irrelevante diante do que parece verdadeiramente relevante: o buraco ligando a parede da casa dos avós a uma dimensão sobrenatural. A rivalidade entre as líderes de torcida entra nesse bojo de inutilidades que o filme tenta lançar como se fossem dados essenciais de contexto. Dá para entender que os dramas pessoais de Pim servem para mostrar como ela atrai a inveja das demais por ser lida como “a perfeitinha do colégio”. Porém, como nada faz tanta diferença, temos ainda mais “gordura” sobrando.

Pim e Putt são levados pelas circunstâncias, obrigados a morar com os avós estranhos enquanto (apenas eles) veem através do famigerado buraco a entidade maligna infantil que vomita no chão de um quarto macabro e sobre um bebê. Quem seria essa criança deformada e o que a liga aos jovens que conseguem enxerga-la? Em vez de se ater à construção desse suspense, Wisit Sasanatieng continua acrescentando dados ao desenho da família disfuncional que, assim, seria ela própria a fonte do mal. O avô vivido por Sompob Benjathikul é um policial aposentado que não deixou para trás o usufruto do autoritarismo garantido pela lei. Sua existência serve para o filme ensaiar uma crítica à truculência dos agentes do Estado? Nem de perto. Ele é entendido como exemplo isolado, uma abominação que não consegue esconder tanto assim a sua natureza vilanesca. Já a avó interpretada por Tarika Tidatid é o arquétipo da idosa com demência que existe para personificar o limite entre a insanidade e uma clarividência excepcional. O roteiro de Segredos nas Paredes alterna burocraticamente as olhadas no buraco macabro, a fragilidade dos dramas escolares e a observação frouxa dos adultos com pinta de estarem escondendo algo escabroso. E dá-lhe CGI para não utilizar sangue cenográfico, entre outras opções estéticas que acentuam o artificial. O saldo poderia ser amedrontador, mas é sonolento..

Voltando ao provérbio “o diabo mora nos detalhes”. É justamente por não estar atento aos pormenores que o cineasta Wisit Sasanatieng sabota a intensidade do filme. A mãe em coma desperta e, repentinamente, se transforma numa leoa capaz de tudo para proteger os filhos. Aparentemente, nesse mundo os efeitos de sedações e remédios fortíssimos passa em meros segundos. O menino vomitando sangue, circunstância que inclusive obriga o avô a adiar a sua vingança, fica bom simplesmente de uma hora para outra, voltando a piorar quando é conveniente. É difícil “comprar” o desenvolvimento por conta das oscilações abruptas, das inconsistências dramáticas/emocionais e da falta de traquejo para lidar com o sobrenatural. Os avisos de “não olhe pelo buraco” sequer ensaiam a expectativa sempre que alguém se vê tentado exatamente a quebrar a promessa e a olhar pelo famigerado buraco. E as coisas ainda pioram quando Segredos nas Paredes revela o que está por trás daquilo. Também muito convenientemente, a visão do além se transforma numa cartilha para explicar aos jovens (e ao espectador) exatamente tudo o que aconteceu. Não bastasse isso, sempre tem alguém para reforçar pontos que possam ter ficado nebulosos. Ora, numa produção de horror a maior preocupação é evitar a indeterminação e nos deixar confortáveis? Subtextos e ambiguidades ficam de fora dessa “festa de família” sem graça que tenta ser trágica. Praticamente 120 minutos de um filme que já tínhamos visto antes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Cecilia Barroso
2
MÉDIA
2.5

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