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Crítica


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Sinopse

Dois estudantes de artes deixam a cidade de Damasco para lutarem ao lado dos rebeldes em Douma. Durante quatro anos, eles observam de perto a transformação na vida dos habitantes locais. Primeiro, a liberdade é sufocada por conta da militarização do Estado e, logo em seguida, entram em cena a guerra civil, o cerco e a inanição.

Crítica

É impressionante a informação dos letreiros que antecedem as imagens dos conflitos na Síria, de que os 120 minutos de Seguir Filmando resultaram do refinamento de um material bruto com cerca de 450 horas. Esse volume absurdo foi capturado entre 2012 e 2015 por vários cinegrafistas. Os diretores Ghiath Ayoub e Saeed Al Batal se pautam pela intensidade das turbulências entre os detratores do presidente Bashar al-Assad, cuja vontade é derrubar o mandatário e instalar uma nova liderança democrática, e os defensores do político que taxam seus opositores de terroristas. As imagens, feitas na convulsionada região da Ghouta Oriental, dão conta de um país praticamente em frangalhos, com prédios em ruínas por conta dos sucessivos bombardeios aéreos e as ruas tensionadas pelos enfrentamentos, inclusive aqueles com armamentos pesados, tais como bazucas e tanques de guerra. O filme propõe a instabilidade e suas consequências como linhas-mestras da narrativa.

Seguir Filmando apresenta brevemente a equipe sendo orientada quanto a procedimentos básicos da linguagem cinematográfica. Saeed Al Batal se encarrega dessas lições que, no entanto, surgem como mera sinalização no enredo constituído de pedaços cerzidos com oscilante competência. O que mais depõe contra o longa-metragem é a falta de contextos, a atenção às frações que expõem uma realidade aviltante, mas o descuido quanto à consistência dessa colcha de retalhos. Para cada imagem de impacto significativo, como a do filho conversando calmamente com a mãe enquanto direciona a mira telescópica do rifle provavelmente ao corpo desavisado do inimigo, há outras destituídas de algo que as coloque como opção evidente diante de tanto material que ficou de fora. Exemplo disso, o vislumbre de uma festa comandada por jovens momentaneamente apartados do cenário desesperador na Síria. Há um acúmulo excessivo de termos e apontamentos anódinos.

A batalha entre os defensores de Bashar al-Assad e seus críticos faz das cidades esquadrinhadas verdadeiros campos de guerra civil. O cinema é utilizado como dispositivo essencial apenas no começo – na citada cena da aula aos homens que encarariam situações periclitantes –, e também no fim, no impressionante plano-sequência que culmina com a queda do cinegrafista. A câmera registra, de modo praticamente autônomo, o desespero do baleado em busca de socorro emergencial, sublinhando a necessidade do testemunho de determinados instantes capitais ao entendimento da truncada contenda. São, no entanto, poucos os excertos em que bombas explodem perto, noa quais operadores se deparam frontalmente com risco de morte. No mais das vezes, eles chegam posteriormente aos escombros, ou nos locais em que jazem as vítimas dessa barbárie intermitente, deflagrando a tragédia diária que transforma o amado território em várias pilhas de concreto.

Especialmente Saeed Al Batal aparece diante da câmera, fazendo-se personagem ativo, pois constante, dessa deambulação organizada. Efetivamente, pouco acrescenta ao conjunto essa disposição do diretor de tornar-se uma figura delineada pelas lentes. Algumas ocorrências, tais como o testemunho dele tocando no piano uma canção dolente, soam excessivamente artificiais, assim contrastando de forma violenta com a crueza dos demais relances. Contudo, Seguir Filmando se ressente, prioritariamente, da ausência de uma estrutura menos dependente da intensidade dos fragmentos separadamente. Assim, a justaposição se dá num nível frouxo, com isso não aprofundando questões que motivam as desavenças e as preservam desgraçadamente, conferindo-lhe um contornos de eternidade. Transcorrendo num ritmo surpreendentemente moroso, a produção tem importância enorme por permitir uma relação visceral com eventos infelizmente característicos da Síria contemporânea. Pena o resultado soar morno e certas potencialidades serem bem desperdiçadas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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