Sem Deixar Rastros
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Jan P. Matuszynski
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Zeby nie bylo sladów
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2021
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Polônia / República Tcheca / França
Crítica
Leitores
Sinopse
A Polônia é abalada nos anos 1980 pelo caso de um estudante espancado até a morte pela polícia. A única testemunha desse crime hediondo cometido por agentes do Estado se torna inimiga do regime opressor polonês.
Crítica
Ao longo das décadas, o cinema nos acostumou a corpos resistentes. A depender do tipo de produção, personagens podem ser até mesmo indestrutíveis. Por exemplo, os filmes de ação se notabilizaram por mostrar guerreiros capazes de proezas incríveis, tais como aguentar golpes, quedas, perfurações, tiros, entre outras formas de agressão. Indo na contramão disso, Sem Deixar Rastros parte da ênfase à fragilidade do corpo de Grzegorz Przemyk (Mateusz Górski), condição indicativa do status quo da Polônia politicamente conturbada dos anos 1980 e, num sentido narrativo, do pacto que o realizador estabelece com a realidade. Esse corpo destruído representa a vulnerabilidade das pessoas comuns diante da quase onipotência do Estado. Ao longo do filme percebemos o governo como um monstro marinho cheio de tentáculos fazendo vítimas em alto mar, uma besta contra a qual é difícil lutar. Na companhia do amigo Jurek Popiel (Tomasz Zietek), Grzegorz é abordado pela polícia e, não menos gratuitamente, espancado sem misericórdia pelos agentes fardados. O cineasta Jan P. Matuszynski não faz do momento um espetáculo dramático, pelo contrário, pois prefere a isso traduzir em termos de sons e imagens a surpresa, a desorientação das vítimas e a crueldade. Para recriar cinematograficamente essa história trágica em várias dimensões, o criador se empenha em reproduzir a aspereza dos fatos.
Essa manutenção da urgência realista não quer dizer que o filme renegue artifícios, camufle as curvas dramáticas ou mesmo que se aproxime da linguagem documental. Quer dizer que Jan P. Matuszynski não está disposto a negociar com o espetáculo para contar a história, engajar o espectador na dimensão política e/ou nos aproximar dos personagens. Nessa perspectiva se encaixa o corpo brutalizado, em muito distante da resistência típica dos filmes. A comoção não vem necessariamente do testemunho do espancamento de Grzegorz (muito bem filmado, por sinal), mas da lista de lesões que o legista lê com um tom de voz assustado para embasar o seu relatório profissional. A mensagem é clara: o corpo reivindicante é frágil, apesar das ideias poderosas que nele moravam, enquanto a força contrária do Estado é desproporcional e cruel. Sem Deixar Rastros é evidentemente um filme político, não apenas pelas denúncias sobre o comportamento imperdoável de um regime governamental, mas por desenhar de modo quase didático os contratempos enfrentados por quem reivindica posteriormente justiça. Em pouco mais de 160 minutos, temos a jornada pelos labirintos de um comando que se comporta como vigilante, juiz e executor. E, diante de tantas possibilidades dramáticas, de tantos recortes possíveis habilmente costurados, o diretor tem o cuidado de não pesar demasiadamente a mão.
Existem muitos filmes e diversos protagonistas convivendo em Sem Deixar Rastros. Há a mãe poetisa, perseguida pelo governo polonês na época citada, ela que acaba de perder o filho. Há o amigo sobrevivente, a testemunha da selvageria estatal e da morte de Grzegorz, que se torna alvo do Estado por ser o único capaz de iluminar a verdade. Há os pais desse alvo, cujas vidas são afetadas pelos respingos da luta assumida do filho. Há a própria resistência dos colegas da mãe enlutada, eles que oferecem uma rede de apoio fundamental à continuidade da oposição. O roteiro assinado por Kaja Krawczyk-Wnuk, com base numa reportagem de Cezary Lazarewicz, valoriza cada um desses pontos de vista, mas evita a concentração em algum deles como sendo o principal, pois o objetivo é fazer um diagnóstico político-social-histórico amplo o suficiente para denunciar uma atitude de Estado. Toda vez que os investigadores dedicados a esclarecer os fatos chegam próximos do que aconteceu, alguém é coagido a confessar crimes indevidos, pessoas são chantageadas a corromper núcleos familiares e depoentes sofrem pressões vindas de diversos lados. O resultado desse encadeamento é a representação da asfixia causada por um Estado disposto a qualquer coisa para calar dissidentes. Isso com a linguagem sóbria de um thriller que evita os excessos, que se distancia o quanto pode das lógicas do espetáculo da dor.
Sendo assim, Jan P. Matuszynski merece elogios pela concisão, bem como por dosar os acentos melodramáticos a fim de expressar os efeitos pesarosos da repressão. Ele compreende não ser preciso, por exemplo, sublinhar a dor da mãe que acabou de perder o filho por meio de melodias chorosas ou algo que poderia induzir o espectador a se engajar emocionalmente. Dentro dessa proposta de moderação, o diretor sabe que acentuar a dor materna se valendo de artifícios (música, luz, etc.) seria comprometer sensivelmente a textura áspera do retrato. Da mesma forma, focar-se excessivamente no luto do amigo sobrevivente perseguido pelo Estado poderia acarretar a diminuição da importância dos outros dramas existentes. A isso, o cineasta prefere ir encaixando habilmente as peças de um quebra-cabeça cuja imagem final é a violência como política das autoridades dentro de um estado de exceção. Ainda que essa economia narrativa às vezes gere pequenos momentos um tanto dispersos – algo perigoso, ainda mais numa produção com 160 minutos –, ela é a grande responsável pela abordagem que consegue transmitir a austeridade dos acontecimentos em termos cinematográficos. A fotografia assinada por Kacper Fertacz, marcada por tons frios, ao mesmo tempo remete ao passado e traduz visualmente o panorama da Polônia nesses anos sombrios em que a liberdade se tornou o ideal dos oprimidos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 8 |
Chico Fireman | 5 |
Francisco Carbone | 6 |
MÉDIA | 6.3 |
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