Crítica
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Sinopse
Salvador, 2014. Geovane Mascarenhas, jovem de um bairro pobre, foi preso pela polícia militar e nunca mais foi visto. Decidido a encontrar seu paradeiro, o pai inicia uma investigação própria que logo ganha as manchetes dos principais jornais locais, cobrando respostas do poder público. A partir deste caso, tem início um paralelo sobre o histórico da truculência policial no Brasil e o quanto ela está associada à perseguição da população negra, em decorrência de atos ocorridos ainda na época da escravidão no país.
Crítica
De Marielle a Amarildo, além de muitos outros casos de menor (ou nenhuma) divulgação, a história do Brasil é repleta de episódios em que a violência atinge de forma implacável a população, muitas vezes vinda do próprio poder público. Sem Descanso, novo trabalho do diretor Bernard Attal, parte de um caso específico para analisar de forma ampla e histórica o porquê de tamanha truculência, vinda da própria polícia. O resultado é um filme mais ambicioso do que propriamente competente, mas que com certeza traz questões ao debate.
Praticamente metade do longa-metragem é dedicado a esmiuçar o desaparecimento de Geovane Mascarenhas, ocorrido em Salvador, em 2014. Após ser subitamente abordado por uma viatura, ele e sua moto são levados a um lugar desconhecido, e o jovem jamais foi visto vivo novamente. Foi a busca de seu pai que deu visibilidade ao caso, especialmente ao atrair a atenção (e o apoio) da imprensa local, que passou a cobrar insistentemente respostas sobre o sumiço. Após muita batalha e alguns meses, o corpo de Geovane apareceu: decapitado, com as mãos cortadas e a tatuagem queimada. O porquê, nunca se soube.
Por mais que sirva de introdução ao tema que deseja abordar neste documentário, Attal dedica ao caso de Geovane um tempo excessivo que, no fim das contas, pouco trás de novo ao que já se sabe. Apesar do intuito até didático de apresentar a história ao público, especialmente aquele longe de Salvador, o formato clássico baseado em entrevistas de envolvidos mais reportagens exibidas na TV e capas de jornais da época não só é cansativo como também limitado, já que não há relatos do outro lado - provavelmente, por desinteresse da própria corporação policial. Com isso, Sem Descanso gasta metade de sua duração de forma burocrática para, apenas na reta final, enfim encontrar sua relevância: a abordagem envolvendo truculência policial e a história do Brasil.
A partir de depoimentos de historiadores e psicólogos, molda-se então um interessante panorama que remete ao período da escravidão e ao nascimento da polícia, como braço dos senhores de engenho da época. Com base em de tal herança, o documentário desnuda as raízes do genocídio negro ocorrido ano após ano por todo país, realçando ainda o quanto tal proposta ainda é atraente sob o ponto de vista político - ainda mais no momento atual do Brasil, com o desprezo pelos direitos humanos por parte considerável da população.
Competente neste viés histórico, Sem Descanso parte então rumo a abordagens correlatas, como a falta de apoio e investimento do corpo policial pelo Estado e o reflexo de tal perseguição aos negros em âmbito global, mas sempre de forma superficial. Diante disto, é inevitável uma certa frustração com o que o documentário entrega, ainda mais pelo potencial que o tema em si possui. Falta ao longa uma melhor definição sobre quais temas abordar e também em relação ao tempo destinado a cada um deles, bastante desnivelado, o que o torna bem aquém do que poderia ser. Uma pena, pois há no filme questões bem interessantes, que merecem uma conversa após a sessão.
Filme visto no Festival do Rio, em dezembro de 2019.
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