Crítica
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Sinopse
A liberdade de expressão nos Estados Unidos é suprimida. O país é dividido em dois. Em meio a isso, uma forte discussão sobre o papel determinante das redes sociais.
Crítica
Na maioria das vezes, mais importante do que é dito, é a forma como cada coisa é manifestada. Pois, quando se escolhe falar sobre isso ou aquilo, ao mesmo tempo há a opção por deixar de lado muito disso e outro tanto daquilo também. Esse é o um exercício que os olhares mais atentos irão perceber logo nos primeiros minutos de Sem Espaços Seguros, documentário de estreia Justin Folk, que antes havia trabalhado como técnico de efeitos especiais de filmes como Matrix Reloaded (2003) e O Incrível Hulk (2008). As perguntas, aliás, poderiam começar por aqui: o que um cara tão acostumado com o visual no cinema teria como interesse em uma obra que, basicamente, é composta por dois homens falando um com o outro? Pois é justamente essa a questão: o que estão dizendo é importante, mas, mais ainda, o que deve ser levado em consideração é o modo como esses discursos são feitos. E uma vez ciente de tal observação, será quase impossível que o espectador não se assuste com tamanho descaramento e manipulação.
No centro do debate de Sem Espaços Seguros estão Adam Carolla e Dennis Sprager. O espectador brasileiro talvez não tenha ouvido falar de nenhum dos dois, mas entre os norte-americanos estão longe de serem inocentes desconhecidos – afinal, são bastante populares no país, e acima de tudo, absolutamente responsáveis por tudo que fazem, e dizem. Adam Carolla é o criador de uma série chamada No Mundo dos Machos (2014), além de ser figura constante em programas de pugilismo, automobilismo e outros temas considerados “masculinos” – ao menos essa é a visão que se esforça em consagrar a seu respeito. Dennis Sprager, por sua vez, é roteirista, produtor e palestrante, também já teve seu talk show televisivo e, pela forte atuação religiosa, tem seu nome nos créditos de documentários como Israel in a Time of Terror (2002) e The Middle-East Problem (2010). Eles se declaram em frente às câmeras como se um não pudesse ser mais o oposto do outro. Porém, bastam alguns minutos os ouvindo para que suas semelhanças se sobressaiam diante de qualquer diferença.
Pois bem, um comentarista político, que afirma passar mais tempo em aeroportos do que na própria casa, e um comediante, autodeclarado dono do podcast mais ouvido do mundo, possuem uma preocupação urgente, e é o que pretendem dividir com a audiência de Sem Espaços Seguros: não conseguem mais falar em público tudo o que tem vontade. Afinal, declaram que o politicamente correto se tornou insustentável, pois não importa o que se diga, invariavelmente acabará ofendendo alguém. “É muito mimimi”, em resumo. Quem, afinal, quiser se expressar livremente, dizendo qualquer coisa que lhe vier à cabeça, acabará censurado por um ou por muitos, e poderá ter sua vida devastada por um momento ou outro de desatenção. Ou seja, não estão preocupados com quem escuta, mas, sim, com eles mesmo, aqueles que dizem. Um diálogo, ora, não se dá apenas quando há um emissor e um receptor? Pois, para os protagonistas, pouco importa o outro lado dessa equação: o que lhes incomoda é esse policiamento, e a isso dão o nome de “fim da liberdade de expressão”.
Tal matemática não é apenas equivocada, mas também perniciosa. Pois tentam colocar uma suposta “culpa” nas minorias, como se essas, ao serem protegidas, tenham se tornadas frágeis, e isso, ainda pelo ponto de vista de ambos, “não faz bem a ninguém”. Para reforçar suas teses, Prager, judeu, chega a afirmar que é importante que, se alguém quiser fazer um discurso pró-nazista, esse direito lhe deve ser assegurado. “Afinal, se hoje proíbem aqueles a favor, amanhã podem negar qualquer manifestação também dos que são conrta o mesmo movimento, e assim por diante”, tentando a todo custo sustentar uma lógica que não possui cabimento. Partem da Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que garante o ‘free speech’, ou seja, o direito de expressão. Só que, nesse processo, deixam de lado a compreensão de que a liberdade de um só pode ir até o ponto em que invade a do próximo. Quando colidem, ambos precisam encontrar seus devidos espaços, sem forçar nada ao outro. Algo simples, e que por isso mesmo exige de Prager, Carolla e Folk um esforço hercúleo para disfarçar essa obviedade com uma edição frenética, uma trilha sonora exagerada e até dramatizações com atores e animações, servindo apenas para denotar o grau de desespero dos envolvidos.
Para piorar ainda mais o conjunto, o olhar aqui empregado decide, a partir de certo momento da narrativa, se direcionar quase que exclusivamente ao ambiente universitário. Segundo Sem Espaços Seguros, os Estados Unidos estão fadados ao colapso, pois o lugar que deveria ser de troca de ideias e discussões se tornou monocórdio e limitador – quando o contrário é que se verifica, pois nunca antes se verificou tamanha diversidade de vozes como agora. Tentam ainda comprovar suas suposições trazendo exemplares de grupos que poderiam estar sob ataque. Assim, tem-se um gay, um negro e uma mulher corroborando seus discursos. Veja bem, é literalmente um pessoa de cada. E por todo o resto do filme, ninguém mais é ouvido além dos protagonistas: nem um único representante capaz de confrontá-los é apresentado. Todas as suas “verdades” são dadas como absolutas. Por isso mesmo, não causa surpresa que elas venham de dois homens héteros, brancos e cis, que agem com gracejos ao falar dos próprios privilégios, sem perceberem que só o fato de estarem se expressando já é um deles. Um filme perigoso, que deve ser visto com cuidado e, acima de tudo, muita atenção.
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Acabei de assistir o documentário no Telecine. Parabéns por suas considerações. A construção narrativa do filme é uma aula de manipulação. Propaganda descarada de figuras que apoiam a extrema direita americana.