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Crítica


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Sinopse

Um pai e sua filha pré-adolescente levam uma vida idílica morando numa enorme floresta nos arredores de Portland. Isso até que um erro mude drasticamente a vida de ambos.

Crítica

Aquilo que está errado com você, não acontece comigo”. Essa frase, dita a certo momento por um personagem de Sem Rastros, resume com perfeição o que se passa nessa história. Tom, apesar da pouca idade, consegue ver o pai com uma clareza que ele há muito já perdeu. No filme da diretora Debra Granik, trata-se com objetividade sobre esses pedaços que não mais se encaixam, mais até do que as possibilidades que o futuro pode, ou não, reservar a estes personagens. São apenas dois, mas até que ponto essa união, aparentemente sólida, conseguirá resistir ao mundo lá fora? E não que sejam perniciosas, ou com más intenções: pelo contrário, podem até ser positivas. O que fará diferença, no entanto, é o simples fato de existirem. A existência do belo só se completa diante do feio. É também por isso que Will sofre: ele sabe o que perdeu, e que não mais conseguirá recuperar.

Mas se para o veterano de guerra a vida – ou a sociedade como um todo – não mais lhe apresenta portas pelas quais possa percorrer, para sua filha, a jovem Tom, o cenário pode ser diferente. Muito pelo que não viveu – diferente dele, ela não tem uma bagagem com a qual se vê constantemente obrigada a lidar – mas também por tudo que tem pela frente. Ele não quer mais olhar para trás, mas se recusa a enxergar o que há diante de si. Mesmo quando se veem obrigados a enfrentar as mais árduas adversidades. As condições climáticas, a falta de segurança, a presença da morte que os ronda a todo instante, seja por um descuido que pode surgir a qualquer momento, por uma carência não programada, pelo inesperado que se aproxima sem aviso nem alerta. São os dois contra o mundo, mas apenas um está pronto para tal batalha.

Will e Tom vivem sozinhos entre as árvores, no meio de um parque florestal. No filme original – Sem Rastros é um remake do sueco Faro (2013) – pai e filha estão nessas condições porque ele não apenas é viúvo como, após ter cometido um assassinato no qual também foi vítima da situação, opta por esse refúgio para garantir sua liberdade e também para permanecer com a menina, que de outra forma seria enviada a uma instituição pública e deixada para adoção. Na versão de Granik (cineasta indicada ao Oscar pelo roteiro de Inverno da Alma, 2010) esses facilitadores são deixados de lado, e o mergulho nestes personagens se mostra mais denso e profundo. Estão igualmente isolados de tudo e de todos. Mas não por uma motivação externa, ou por se verem obrigados a lidar com um cenário apocalíptico, por exemplo (como em A Estrada, 2009, ou A Luz no Fim do Mundo, 2019, semelhantes em forma, mas bastante distintos em conteúdo). O problema, dessa vez, não está lá fora – está dentro deles mesmos.

Mais nele do que nela, para falar a verdade. A menina segue o pai, é fato, muito por não ter outra família – não há sinal de mãe, avós ou outros irmãos – e também pela pouca idade. Mas está amadurecendo, e com isso, passando a ver com outros olhos. Não quer abandonar o pai, porque se preocupa com ele, mas também pensa em si, e sabe que o destino pode ser outro. E talvez tenha que ser. Tenta abraçá-lo, mas é difícil contornar aquele que não se permite. É complicado mostrar o outro lado da moeda, quando só se conhece o mesmo de sempre, e parece se dar por satisfeito assim. Experiências anteriores podem frustrar, mas é sempre uma escolha e uma decisão levantar e arriscar mais uma vez, ou simplesmente desistir e dar adeus. Dizer “não” pode ser mais difícil do que seguir com o fluxo. Há um preço a ser pago, além da falta de conforto ou do alívio de não se estar mais sozinho.

Ben Foster é um dos atores mais interessantes do atual cenário hollywoodiano, tendo entregue belas atuações em filmes tão distintos quanto A Qualquer Custo (2016), O Programa (2015) ou O Mensageiro (2009). No entanto, quem realmente brilha em Sem Rastros é a novata Thomasin McKenzie, que depois despertaria ainda mais atenções no oscarizado – e inferior – Jojo Rabbit (2019). Longe de aparentar ingenuidade ou de ser levada pelo contexto no qual é apresentada, é uma figura em constante transformação, seja pela tensão constante ao lado do pai, influenciada pelos elementos que percebe além deles, superando os receios que vai acumulando e driblando as vontades que luta em conciliar. É nela e por ela que a audiência será conduzida e irá torcer, tanto por um desfecho quanto pelo sentimento que irá permanecer, muito pelo que foi vivido, mas também por tudo que terá que abrir mão. É a criança, mas também é quem terá que tomar a atitude pela qual os dois tanto anseiam – e temem. É triste, mas também o único a ser feito.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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