Crítica
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Sinopse
Após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, em 2018, diversas mulheres negras se candidataram a cargos públicos, esperando transmitir as bandeiras e diversidade e igualdade representadas por Marielle. Seis candidatas são acompanhadas ao longo da campanha eleitoral, enfrentando o preconceito na disputa por um lugar ainda reservado majoritariamente aos homens brancos.
Crítica
Este documentário foi patrocinado pela “sociedade civil brasileira”, conforme atestam os letreiros iniciais, o que representa uma forma mais solene de dizer que foi viabilizado por meio de plataformas virtuais de financiamento coletivo. De qualquer modo, este é um projeto de baixo orçamento, algo visível tanto na estética quanto no senso de urgência. Para apresentar a trajetória de seis mulheres negras e periféricas, que constituem figuras de exceção dentro da política nacional, escolhe-se um meio de produção igualmente periférico e artesanal. A escolha constitui uma aproximação cinematográfica do modo como as personagens fazem política: o cinema bem-intencionado e apressado das diretoras Éthel Oliveira e Júlia Mariano demonstra a mesma garra, o mesmo discurso e a mesma maneira de se comunicar com a sociedade do que aquele empregado por Talíria Petrone, Renata Souza, Mônica Francisco, Rose Cipriano, Tainá de Paula e Jaqueline Gomes quando distribuem os seus panfletos pelas ruas do Rio de Janeiro. Por este motivo, não se pode esperar uma abordagem distanciada, tampouco ponderada: trata-se de um filme militante, que homenageia suas personagens e defende apaixonadamente os pontos de vista de cada uma, sem entrar nos meandros do posicionamento, nem nas diferenças entre elas.
A narrativa parte da morte de Marielle Franco, vereadora brutalmente assassinada em março de 2018, e cuja morte não foi esclarecida até hoje. Visto que as protagonistas são apresentadas enquanto “sementes” de Marielle, teria sido fundamental compreender as bandeiras carregadas por esta mulher negra, lésbica, periférica e defensora dos direitos civis. Ora, o filme de 105 minutos de duração passa em alta velocidade pela trajetória da vereadora, descrevendo de maneira sucinta o crime, e saltando para as eleições de 2018. Que relação as seis protagonistas tinham com a política partidária antes deste pleito? Como começaram suas trajetórias de ativismo? De que maneira se aproximaram dos partidos pelos quais concorreram, e como foram recebidas pelas diretorias? Receberam os mesmos investimentos para campanha que outros candidatos? Não sabemos. O filme limita a campanha eleitoral à distribuição de santinhos e ao corpo a corpo com uma quantidade simbólica de eleitores nas ruas, sem explorar a dinâmica fundamental no interior dos partidos, nas redes sociais, as coligações, os debates, a difícil articulação de uma campanha com as profissões de cada uma e com a vida pessoal. Ao ocultar o aspecto mais “administrativo”, digamos, da política brasileira, sugere-se que qualquer mulher teria condições de se candidatar a um cargo público, bastando ter panfletos e força de vontade.
As questões estéticas também merecem questionamento. Embora o acesso às seis personagens seja generoso, e elas se demonstrem confortáveis diante das câmeras, há limitações evidentes de captação de som, fotografia e, posteriormente, na montagem de som e imagem. Os discursos das candidatas dentro de uma igreja ou durante manifestações são obstruídos pelas cabeças de frequentadores destes espaços, passando em frente à câmera. Algumas entrevistas trazem zooms nervosos durante o plano, como se a direção de fotografia ainda estivesse escolhendo o enquadramento enquanto a ação acontece. Cenas em bares e sedes de partidos políticos são estranhamente desprovidas de sons ambientes, de barulho das ruas, de conversas simultâneas. O aspecto coletivo, ruidoso, intenso de uma campanha adquire um teor sisudo. Muitas destas questões poderiam ser resolvidas no processo de montagem: as criadoras poderiam dissociar o som para aplicá-lo a imagens não-coincidentes (evitando assim imagens pouco favoráveis, como as costas das multidões), ou então editar o som de uma fala de modo a invadir o começo da cena alheia, gerando a impressão de continuidade e fluidez. No entanto, a captação sonora está educadamente colada à sua imagem de origem, ao passo que cada sequência traz algum instante de silêncio ou indefinição no início e no final. O ritmo é comprometido pela edição pouco astuta no uso do material disponível.
Estas construções provocam efeitos curiosos, mesmo contraproducentes. Quando Jaqueline Gomes sobre num trio elétrico para discursar aos frequentadores da Parada Gay, a montagem insiste em entrecortar a fala da candidata com cenas de pessoas que a ignoram, divertindo-se entre si. Não há um único rosto ao redor do carro retornando o olhar à candidata. Pela insistência na montagem paralela com a multidão indiferente, temos a impressão de que o discurso da mulher transexual não foi escutado por ninguém. Em outro instante, Tainá de Paula debate numa roda composta por militantes entediados. Provavelmente, tratava-se de um momento excepcional de apatia, que foi entretanto incorporado ao corte final. Trechos como estes transmitem uma vertente pouco empolgante da política enquanto profissão e vocação. Mesmo assim, o filme melhora muito a partir do dia em que as deputadas eleitas são empossadas. Nestas sequências, adota-se enfim a ironia visual (os planos das candidatas negras num mar de homens representantes da “velha política” como Aécio Neves, João Dória, Kim Kataguiri e Alexandre Frota). Em paralelo, capta-se o vigor dos corredores, o preconceito durante a entrada de Talíria Petrone na Câmara, a chegada aos escritórios, as compras aprovadas num supermercado para a primeira reunião de gabinete. No terço final, Sementes: Mulheres Pretas no Poder (2020) alcança o fervor buscado ao longo de toda a narrativa.
Enquanto projeto divulgado ao público amplo – via Internet, devido à pandemia de Covid-19 – o documentário possui uma relevância particular ao destacar figuras de exceção, pelo olhar de uma equipe feminina e negra, como raramente se encontra na cinematografia brasileira. Este é um cinema político não apenas pelo tema, mas por sua própria existência. Mesmo assim, ele jamais dissipa a aparência de uma reportagem estendida durante a qual se discute pouco sobre propostas, ou sobre os meios de combater a política masculina, branca, heterossexual e burguesa para além da necessidade de continuar tentando. O posicionamento também poderia ser questionado pelo possível caráter eleitoreiro: lançado às vésperas de uma nova eleição, pode ser considerado uma tentativa de não apenas conscientizar espectadores, mas influenciar eleitores. A redução da linguagem essencialmente artística a um veículo de campanha resultaria numa apropriação acessória, funcional e determinista do cinema (uma arte que jamais funcionou como bom cabo eleitoral, diga-se de passagem). Independentemente das motivações que levaram as diretoras ao investimento de anos no projeto, o resultado serve de porta de entrada à representatividade limitada do nosso quadro político, ainda que a compreensão deste fenômeno (suas origens, consequências, alternativas etc.) esteja longe do escopo abraçado pelas autoras.
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Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 5 |
Lorenna Montenegro | 7 |
MÉDIA | 6 |
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