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Sinopse

Johnny é um jornalista que trabalha para a rádio e precisa fazer uma viagem a trabalho. Quando a irmã pede que ele ajude a olhar o sobrinho Jesse por uns dias, Johnny decide levar o garoto no passeio pelos Estados Unidos. Ao longo dos dias, os dois começam a se conhecer melhor.

Crítica

De uns 30 anos para cá, o cinema norte-americano (pelo menos uma boa parcela dele) tem se interessado por jovens adultos perdidos emocional e psicologicamente falando. Isso é relativamente fácil de explicar, pois eles são os protagonistas de uma pós-modernidade atravessada por transformações aceleradas. E esse cenário torna um tanto escorregadios (líquidos?) os elos afetivos e profissionais, bem como os vínculos inerentes à ordem coletiva. Johnny (Joaquin Phoenix) é uma dessas pessoas com dificuldade de expressar sentimentos e emoções, mesmo (ou principalmente) estando em família. O personagem principal de Sempre em Frente é um bom ouvinte, mas um falante menos habilidoso. O filme não entra nos detalhes da sua atividade profissional, mas o vemos registrando depoimentos de crianças sobre o que elas pensam sobre o futuro. Num dia qualquer, Johnny recebe a ligação da irmã com quem não tem contato frequente e é incumbido de cuidar do sobrinho que o recebe praticamente como se ele fosse estranho: “para uma criança de nove anos, ficar um ano sem ver o tio é muita coisa”, diz sua irmã Viv (Gaby Hoffmann). O roteiro escrito pelo também diretor Mike Mills elege as hesitações para diagnosticar a disfuncionalidade dessa família norte-americana. Apenas mais adiante são verbalizadas as barreiras. No começo, os silêncios e os desconfortos dão o tom da retomada de comunicação.

Fotografado num belíssimo preto e branco por Robbie Ryan, Sempre em Frente pode ser definido como uma crônica dos intermédios e dos diálogos geracionais. Primeiro, por escolher um meio de caminho (e um intermediário) para pontuar onde devem acontecer os encontros e aprendizados. Johnny e Viv, os adultos, são pessoas que sofrem por conta do peso do passado. Alguns poucos flashbacks mostram como a relação entre eles se deteriorou ainda mais quando ambos foram obrigados a se confrontar com a senilidade da mãe prestes a morrer. O homem “abraçava” os delírios da matriarca que não distinguia a ficção da realidade. Já a mulher ficava indignada com o que considerava um comportamento condescendente e tolo do irmão. Quando Johnny se depara com o sobrinho que fantasia ser um órfão, esse jogo de aceitação se inverte completamente. Viv embarca na fabulação do menino e entende que aquilo o ajuda, de alguma forma, a lidar melhor com seus problemas. É algo que ao protagonista parece um completo absurdo, uma inutilidade. Tendo isso em vista, fica evidente que “embarcar” ou não nos devaneios do outro teria a ver estritamente com a proximidade, com o grau de afetividade e aceitação prévias. Mike Mills poderia extrair bem mais da dinâmica que equivale, de certa forma, os efeitos da doença degenerativa e os mecanismos de defesa de uma criança que não sabe como funciona o mundo dos adultos. Mas ele não se aprofunda nisso.

Os personagens de Sempre em Frente guardam diversas semelhanças com os de outros filmes de Mike Mills – Impulsividade (2005), Toda Forma de Amor (2010) e Mulheres do Século XX (2016), especialmente no que diz respeito à diferença de percepções gerada pelos abismos geracionais. Nisso o filme começa a desenhar o que antes foi chamado de “crônica dos intermédios”, pois se os adultos ficam remoendo o passado e seus fantasmas, as crianças não parecem menos inquietas e desorientadas, mas diante do futuro. As depoentes que falam de suas expectativas mencionam frequentemente temores quanto ao aquecimento global, à escalada da xenofobia e a outras preocupações bastante em voga atualmente. O sobrinho, Jesse (Woody Norman), completa a equação, se tornando ele próprio o elemento intermediário por não saber como lidar com o presente. Menino de modos excêntricos, capaz de atos inesperados e de curiosidade aguçada, ele sofre a seu modo em virtude dos problemas familiares mais imediatos. De uma hora para outra, precisa conviver com um tio praticamente desconhecido e lidar com a falta de informações a respeito do pai que padece de distúrbios mentais em outra cidade. Da relação entre Johnny e Jessie nasce naturalmente uma tentativa de diálogo entre perspectivas muito distintas, mas que se auxiliam mutuamente em meio ao caos da contemporaneidade.

Em que pese a beleza das imagens e o simbolismo das entrevistas com as crianças que imaginam como será o amanhã, Sempre em Frente ganha potência quando deixa as delicadezas se assentarem, ao permitir que gestos simples e pausas conduzam os esforços dos personagens para se compreender e tentar um encaixe nos pequenos e nos grandes núcleos sociais. Dentro da tendência antes mencionada dos personagens perdidos emocional e psicologicamente, Joaquin Phoenix se sai muito bem como o homem que enfrenta severas e intransferíveis barreiras pessoais para efetivar-se nos papeis que precisa desempenhar. Gaby Hoffmann não fica atrás no quesito "ótimo desempenho" ao interpretar uma mulher que precisa confiar no irmão com quem tem rusgas, isso enquanto se empenha ao máximo para dar suporte ao marido com a saúde mental prejudicada. Aliás, é libertadora a cena dela quebrando as expectativas da maternidade incondicional ao dizer que se sente de saco cheio das estranhezas do filho amado. Mas, o grande destaque do elenco é exatamente o pequeno Woody Norman, ator mirim já com um bom currículo se levarmos em consideração a sua pouca idade, mas que aqui ganha um espaço condizente com o seu talento. Seu Jesse se equilibra instintivamente entre a fragilidade e a resiliência (ambas perfeitamente infantis), espelhando um pouco do pai, da mãe, do tio e até da avó nesse filme que pretere a densidade e o pesar em função de uma doçura melancólica.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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