Crítica
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Sinopse
O soldado Christian Lafayette está de volta à França depois que uma operação dizima a sua unidade. Enquanto tenta encontrar meios para seguir a sua vida, ele se envolve com a venda de ópio para salvar alguns irmãos de armas.
Crítica
Estamos acostumados a filmes norte-americanos protagonizados por pessoas que regressam traumatizadas da guerra em países estrangeiros. Mas, convém ponderar que os Estados Unidos não é a única nação com diretrizes imperialistas. Há outros países que agem historicamente dentro de estratégias geopolíticas de dominação/ocupação alheia com a intenção de concentrar poder e riquezas. Personagem principal de Sentinela do Sul, o soldado Lafayette (Niels Schneider) é o típico homem que volta desorientado do front de batalha e não encontra espaço na sociedade civil que tampouco se empenha para a sua reinserção. Há toda uma adesão aos lugares-comuns desse tipo de trajetória. Vemos o jovem reivindicando o retorno ao território estrangeiro no qual servia; sofrendo para se adaptar ao trabalho que em nada se assemelha à sua antiga rotina militar repleta de adrenalina e perigos; flertando com a criminalidade (a alternativa); encontrando possibilidade de acolhimento numa mulher; em suma, lutando contra um sistema que continua o regurgitando. Às vezes essas repetições (que já vimos em vários outros filmes de temática semelhante) soam como atalhos. Afinal de contas, tudo o que é familiar leva menos tempo para ser assimilado. Noutras vezes, essas reiterações parecem configurar um comentário sobre a experiência mais ou menos comum de quem sobrevive aos horrores da guerra.
Claro que o “soldado que volta traumatizado e não consegue se encaixar na sociedade civil” é um tropo bastante utilizado, ao ponto de ser considerado um estereótipo – já que nem todo mundo regressa assim de campanhas bélicas. Porém, essa abordagem dá ao cineasta a possibilidade de investigar um aspecto trágico residual de qualquer conflito. Além das viúvas, dos órfãos, dos pais e mães que perdem filhos, há os próprios ex-militares que parecem quebrados definitivamente, condenados a uma vida de insatisfação e tristeza. Antes de partirmos às qualidades de Sentinela do Sul, é bom sinalizar outra opção narrativa que o impede de voos maiores. E esta é o traço excessivamente expositivo de vários diálogos, a julgar pela quantidade de coadjuvantes dispostos a sempre explicar ao protagonista o que está acontecendo: o amigo deflagra a criminalidade; o bandido corteja Lafayette em meio a mais explicações de como o submundo do tráfico funciona; a enfermeira detalha a doença do amigo entrevado numa cadeira de rodas; a descoberta de anotações elucida o pano de fundo complexo. Então, em meio a essas utilizações de clichês, o cineasta Mathieu Gérault insere algo que torna o filme singular: a noção de que o protagonista sofre, mas não apenas por conta dos estilhaços físicos e psicológicos, mas em virtude da carência familiar que sempre demarcou a sua história.
É a partir dessa leitura de Lafayette como um órfão desesperado para voltar à sua única família (o exército) que Sentinela do Sul ganha contornos interessantes. O realizador não se atém apenas ao discurso antibélico ou às alusões sobre a forma desumanizada com a qual os exércitos tratam seus integrantes. O enredo que em vários momentos parece mais do mesmo toca também na questão dos marginalizados que servem de bucha de canhão em conflitos armados, os tratados como excedente por uma sociedade excludente. Além de Lafayette, órfão que perambulou por diversos lares adotivos antes de se alistar no exército, há Mounir (Sofian Khammes), descendente de argelinos que voltou do combate com severas restrições físicas. Aliás, é desse coadjuvante importantíssimo uma das constatações mais fortes do filme. Quebrando um pouco a idealização da fraternidade que Lafayette celebra como algo saudoso, Mounir conjectura que o amigo provavelmente o degolaria se ambos fossem militares há quarenta anos – menção à sangrenta descolonização da Argélia nos anos 1950/60, na qual provavelmente estariam em lados antagônicos da disputa brutal. A visão ácida e contundente impressa no longa-metragem passa por observações como essa. E o acúmulo delas nos ajuda a compreender que nada é isolado, tudo faz parte de um panorama estrutural desfavorável a certos indivíduos.
Sentinela do Sul não seria emocionalmente tocante sem o trabalho de Niels Schneider como esse protagonista que perde as ilusões ao longo de um caminho pedregoso. Ele constrói um Lafayette talhado à guerra (fisicamente forte, de comportamento impositivo quando necessário), mas fragilizado ao ser descolado do combate. Há todo um mundo de frustrações e tristezas perpassando o seu semblante na belíssima cena em que a enfermeira o machuca verbalmente. Sua resposta é o silêncio de quem novamente se vê diante de alguém capaz de decepciona-lo. A inaptidão social de Lafayette é bem elaborada pelo intérprete que se expressa principalmente por meio de minúcias – e nelas mora o menos banal que o filme tem a nos apresentar. Existem simbologias muito evidentes nessa história (algumas até beiram o óbvio). O protagonista sempre sofreu pela falta da figura paterna, idolatra o superior (vivido pelo sempre excepcional Denis Lavant) e precisa “matar” simbolicamente até esse pai postiço ao compreender que chegou a sua hora de assumir a chefia de uma família. Sem um lugar de filho, Lafayette aos poucos ocupa a posição paterna de protetor (dos amigos, da mulher grávida e até da vítima de um assalto). Tornar-se pastor também se enquadra na categoria de metáfora um tanto escancarada demais, mas ainda assim funcional nesse painel melancólico e às vezes até comovente.
Filme assistido durante o 13ª Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2022.
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