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Sinopse

Ela foi capturada na rua, amarrada e amordaçada. Agora, Stella fará de tudo para arruinar os planos de seus sequestradores mascarados.

Crítica

O profissionalismo dos delinquentes é valorizado pelo cineasta Thomas Sieben no começo de Sequestrando Stella. Assim, a meticulosidade dos gestos constrói a noção de trabalho feito por especialistas. Sintomaticamente, demora até a primeira palavra ser proferida, pois o vislumbre dos preparativos é suficiente à compreensão de parte significativa da conjuntura depois desenvolvida paradoxalmente atrelada à exposição verbal. A partir do momento em que Stella (Jella Haase), com seu “socorro”, de certa forma "permite" que os demais personagens falem, o filme descamba para uma lenga-lenga que rapidamente deixa exposto o seu caráter genérico. Dessa forma, a exiguidade do espaço e a natureza das relações estabelecidas pela dinâmica agressiva (uma delas prévia e bastante insuspeita) são preteridas em função do que sobrevém ao plot twist. A virada reconfigura o ambiente, adicionando temperos ralos nesse molho com sabor de comida requentada e insossa.

Em Sequestrando Stella, Vic (Clemens Schick) e Tom (Max von der Groeben) são ex-colegas de cadeia que resolvem enriquecer ao raptar a filha de um ricaço. Entre eles há algo que geralmente parece paternalismo do primeiro com o segundo. Pais e filhos, seja num âmbito literal, simbólico ou futuro, estão na base do raso substrato criado (e não fundamentado) para sustentar dramaticamente a trama para além da dimensão do thriller. Todavia, o realizador passa como um rolo compressor por sutilezas e possíveis profundidades, rapidamente deixando que tudo gire em torno de uma inversão considerável, isso tão logo verdades venham à tona. Num instante, os dois meliantes detém o controle que pode os levar ao êxito. No outro, uma revelação, pouco burilada para soar necessariamente surpreendente, transfere uma nesga de poder à vítima. Porém, o acúmulo de conveniências, coincidências e forçadas de barra minam as coisas boas e degeneram o todo.

O cativeiro tem as paredes forradas com isolamento acústico, a fim de que a cativa não logre êxito ao pedir ajuda. Mas, justamente a parte que faz divisa com os outros cômodos não tem a tal proteção, o que sinaliza o descuido da produção com os detalhes, uma vez que Vic e Tom se tratam pelos nomes e, às vezes, gritam os mesmos. A imprudência se choca violentamente com a minúcia tão sublinhada na sequência inicial e cria um ruído substancial assim que a vítima demonstra ciência das alcunhas dos captores. Sequestrando Stella tenta, em vão, adicionar a dúvida quanto a um estado específico como motor dos maiores dilemas de Tom. O passado compartilhado, as dissimulações que encobrem o desejo de vingança e a desconfiança quanto à versão que aponta ao fator complicador são elementos praticamente jogados numa narrativa gradativamente banalizada, que não suscita engajamento, senão o restrito à esfera superficial. Nem a recusa do resgate é bem observada.

Vic é o que apresenta frieza. Já Tom, cujo olhar denota diversos vacilos, é o elo frágil dessa corrente. Ambos são personagens destituídos de nuances. O mesmo pode ser dito de Stella, restrita aos esforços físicos para suportar a pressão de estar confinada ao ambiente desconhecido, pouco escrutinada a partir do infortúnio protagonizado. A associação emocional dela com os sujeitos é exposta e apurada de modo apressado. A produção conduzida por Thomas Sieben condensa em episódios muito esparsos uma tensão genuína. Já as singularidades do trio são diminuídas em favor dos frágeis contornos da circunstância peculiar que aproxima esses tipos de mundos e anseios bem distintos. Fraco como suspense, ainda mais descartável e desprovido de personalidade enquanto drama, Sequestro de Stella transcorre sem consistência a partir da intrusão e da prevalência das palavras, aqui compreendidas como artifícios meramente expositivos/explicativos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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