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Crítica


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Sinopse

Três mulheres revelam como são particulares as lutas do feminismo exercido por mulheres surdas.

Crítica

Mesmo com a expansão das reivindicações de representatividade – social, política, audiovisual, literária, etc. – dos minorizados, há ainda grupos muito precarizados. Seremos Ouvidas aborda as dificuldades das mulheres surdas para encontrar lugar até em dinâmicas inclusivas como o feminismo. A cineasta Larissa Nepomuceno escolhe três pessoas que experimentam na pele a discriminação e a invisibilização, colhendo delas depoimentos sobre questões cotidianas que entravam suas existências como cidadãs. A estrutura narrativa é a dos depoimentos informativos, aqueles que uma vez somados pretendem constituir um painel relativamente abrangente dos assuntos em questão. Se trata se um esqueleto simples, mas aqui funcional. O filme atinge seu objetivo de lançar luz sobre os contratempos que as mulheres surdas enfrentam para, antes de qualquer coisa, ter acesso a informações que as protejam de determinados comportamentos abusivos/tóxicos dos homens.

Seremos Ouvidas conjuga testemunhos feitos em linguagem de sinais. Para os que ainda não compreendem o vocabulário gestual, as legendas são imprescindíveis ao entendimento dos desabafos. E esses enunciados somados têm peso como conteúdo esclarecedor, um pouco menos como fragmentos de cinema. A cineasta Larissa Nepomuceno não investe numa dinamização, filmando depoentes estáticas nos cenários (cada uma num). Sua tentativa de diversificar a abordagem passa pelos flashes de mãos esculpindo, situação que ganha significado apenas próximo do encerramento do curta. Ainda assim, o link com a especificidade da surdez não acontece. O que vemos é um trabalho inviabilizado pela agressividade do escultor, a reprodução do corpo feminino sendo vilipendiado até se tornar uma massa praticamente disforme. O dispositivo poético/expressivo não ensaia qualquer ponte específica com a fragilização da mulher surda na nossa sociedade capacitista.

Em que pese esse esqueleto narrativo simples, Seremos Ouvidas toca em assuntos que dificilmente ganham os holofotes. Pena que se trata de um caso de filme com a melhor das intenções, mas que apenas distribui as informações e experiências para chamar a atenção aos problemas dentro de uma lógica estrutural. Uma das depoentes fala da ignorância geral da mulher surda sobre questões como feminismo, patriarcado, machismo e tudo que diz respeito aos recortes de viés identitário. No entanto, a realizadora não intensifica esses diagnósticos. De modo semelhante, trazido à tona por outra testemunha, o fator racial se torna uma nota de rodapé. Por fim, a falta de recursos/ dispositivos de inclusão, bem como certa condescendência policial diante dos desmandos do homem surdo, não evolui por conta de sua menção ligeira. O mérito do curta-metragem está principalmente no recorte e na pluralidade das declarantes. Um ensaio para algo a ser expandido.

O roteiro equilibra os apontamentos, não permitindo que um sobressaia em detrimento de outros. Nesse sentido, Seremos Ouvidas demonstra consciência de suas limitações (de tempo, principalmente) e se propõe a ser uma síntese da situação de mulher surda numa sociedade com poucos mecanismos de inclusão. Há uma mensagem implícita nas manifestações das pessoas que são escanteadas, quando não tratadas como prejudicados mentalmente. Uma das depoentes afirma que a polícia evita enquadrar homens surdos por ter pena (provavelmente atrelando a deficiência à incapacidade intelectual). Trazer à tona esses tantos e tão obscurecidos assuntos que gravitam em torno da existência das mulheres surdas que sofrem violências de gênero e discriminações (e as negras ainda são submetidas ao racismo) se transforma no principal valor do curta-metragem. Pelo menos a explanação é direta e clara. Se trouxesse para o tecido narrativo o aspecto sensorial, como tempero para engrossar o caldo do discurso social, talvez o resultado seria ainda melhor.

Filme visto no VI Cine Jardim: Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em agosto de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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