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Sinopse

Diplomata da ONU, Sergio Vieira de Mello trabalhou em algumas das regiões mais instáveis do planeta, negociando com chefes de Estado, revolucionários e criminosos de guerra para salvaguardar a vida de pessoas comuns. Antes de "pisar no freio", ele decide pegar uma última missão em Bagdá. Uma explosão vai coloca-lo entre a vida e a morte.

Crítica

Talvez não houvesse pessoa melhor do que o cineasta norte-americano Greg Barker para contar a vida do diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello. A escolha num primeiro pode parecer inusitada, mas basta um olhar mais próximo da obra dos dois para perceber os pontos em comum entre eles. Apesar das nacionalidades diferentes, ambos sempre se portaram como cidadãos do mundo. Em suas andanças profissionais, Barker já passou por mais de 65 países ao redor do mundo, além de ser formado em Relações Internacionais pela Escola de Economia de Londres. Vieira de Mello, por sua vez, se tornou conhecido ao assumir o cargo de Alto Comissário para os Direitos Humanos na ONU, lugar onde trabalhou por mais de três décadas. A relação óbvia se fez, pela primeira vez, quando o diretor realizou o documentário Sergio (2009), que contava a história do profissional dedicado à construção e manutenção da paz entre as nações. Como resultado, foi premiado no Festival de Sundance, indicado ao Emmy e ao prêmio do Sindicado dos Produtores de Hollywood, além de ter sido semifinalista do Oscar. Nada mais natural, portanto, que tenha sido convocado, também, para comandar o longa de ficção Sergio (2020), que se debruça sobre a mesma trajetória, porém com uma pegada mais íntima e pessoal. Um trabalho que resulta atraente, ainda que por vezes resvale no melodramático.

O curioso, por sua vez, é descobrir quem o chamou para reviver este mesmo personagem: Wagner Moura, aquele que viria a interpretar o protagonista. Ao se encontrarem em um festival de cinema internacional, os dois começaram a conversar e identificaram, um no outro, essa mesma vontade. Moura queria tornar o exemplo desse compatriota mais conhecido, enquanto que Barker, por já ser familiar a esse contexto, graças ao longa realizado anteriormente, achou interessante a oportunidade de exercer um diferente ponto de vista. Os dois filmes, tanto o de 2009 quanto o de 2020, são homônimos entre si. No entanto, talvez fosse mais justo se o segundo se chamasse Sergio & Carolina. Afinal, as ideias e os esforços de Sergio Vieira de Mello podem até estarem à frente das ações aqui presenciadas, mas a trama agora tem como principal referência a relação amorosa que estabelece com a colega de trabalho Carolina Larriera, que viria a ser sua companheira até o último dos seus dias.

Sim, pois não chega a ser nenhum spoiler o fato de Vieira de Mello já estar morto – ele foi vítima de um atentado terrorista em Bagdá, no dia 19 de agosto de 2003. Baker e seu roteirista, Craig Borten (indicado ao Oscar por Clube de Compras Dallas, 2013), cientes desse fato, não buscam fazer mistério a respeito do desfecho dessa jornada, ao mesmo tempo em que também não se apressam para colocar os devidos pontos nos ‘Is’. Sergio, aliás, começa exatamente com a chegada do protagonista e sua equipe de trabalho (Larriera entre eles) à capital do Iraque. A missão deles seria preparar o país para uma eventual democracia, após a morte de Saddam Hussein e a suposta saída dos Estados Unidos da região – afinal, o objetivo deles já havia sido cumprido. Não demora muito, no entanto, para que o ataque aconteça e de Mello se veja preso sob os escombros do prédio destruído. Entre esse instante e um salvamento que acaba não acontecendo em tempo hábil, abre-se espaço para que o homem, imobilizado, possa recordar dos momentos mais importantes de sua caminhada.

Barker e Borten, no entanto, apostam que, ao invés de se focar nas grandes conquistas que empreendeu ao longo de uma carreira notável, ele teria optado por guardar as memórias deste último amor. Separado e pai de dois filhos, de Mello era um homem que frequentava a Casa Branca e teve acesso a zonas de conflito ao redor do mundo. Um dos seus feitos mais conhecidos teria sido a negociação que garantiu a independência do Timor Leste, no sudeste asiático. Larriera, argentina de nascença, também se encontrava por lá, atuando diretamente com a população local a serviço da ONU. Os dois se conhecem, se aproximam e se apaixonam. Ela serve para torná-lo mais sensível, ciente da posição que ocupa e mesmo de suas próprias limitações. Ele percebe que entre eles começa a existir mais do que uma atração passageira, e por isso mudanças serão necessárias. O filme se preocupa em registrar essa comunhão de almas, investindo no drama romântico, enquanto que as passagens políticas e sociais das atuações de ambos acabam sendo minimizadas e, na maioria das vezes, resolvidas de formas simplistas, com discursos enérgicos e soluções esquemáticas.

Wagner Moura, como Sergio Vieira de Mello, tem um dos grandes momentos de sua carreira em frente às câmeras, oferecendo energia e sensibilidade a uma figura que tanto fez em nome de um mundo melhor. Mesmo assim, se recusa a assumir um aspecto beatificado, agindo como alguém real e passível de identificação. Ana de Armas, que aparece como Carolina Larriera, mostra mais uma vez porque é um dos nomes de ascensão em Hollywood, alternando entre a angústia ao lidar com a tragédia e a paixão por alguém que lhe é, ao mesmo tempo, tão admirável e, também, desconhecido. Os dois possuem uma química inegável. Tão forte, portanto, que acaba eclipsando os feitos de um homem que entrou para a história não por seus amores, mas por suas ações. O Sergio de 2020 é um bom filme, mas que não dá conta de compreender uma biografia tão complexa. Mesmo assim, é um começo, e talvez funcione melhor como complemento ao Sergio de 2009. Isso não chega a ser um problema – é mais uma observação. Pois são essas as intenções propostas, explícitas desde o começo, e alcançadas com efeito. Ou seja, poderia ser bem diferente, mas não deixa de ter seus méritos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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