Sergio Leone: O Italiano que Inventou a América
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Francesco Zippel
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Sergio Leone: L'italiano che inventò l'America
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2022
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Itália
Crítica
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Crítica
Certamente há diversas formas de fazer um filme sobre alguém notável como Sérgio Leone. O cineasta Francesco Zippel poderia, por exemplo, priorizar a audácia desse colega e conterrâneo que reinventou a mítica do Velho Oeste norte-americano com tintas próprias, isso quando o faroeste era considerado um cadáver sepultado comercialmente nos Estados Unidos. Também poderia fazer um filme a respeito do estilo de Leone, fundamental para galvanizar no nosso imaginário certos elementos (vide as canções inesquecíveis de Ennio Morricone), como se eles fossem intrínsecos ao gênero. Continuando nessa elucubração, o colega e compatriota de um dos maiores realizadores da Sétima Arte poderia ter investigado profundamente a construção do mito sobre um mito, o spaghetti western, cuja estilização foi inicialmente vista como heresia, mas que ao longo do tempo encontrou o devido espaço e relevância na história do cinema. No entanto, Zippel decidiu fazer de Sergio Leone: O Italiano que Inventou a América um pouquinho de tudo isso, pulverizando os temas e as possibilidades numa síntese que, se é terna do ponto de vista reverente, perde grandiosidade até mesmo como homenagem por conta da quantidade de informações que não permite ao filme se aproximar da grandeza em nenhum momento. A estratégia é clássica: enfileirar depoimentos de gigantes para mostrar que Leone era um gigante.
O que de mais precioso Sergio Leone: O Italiano que Inventou a América tem são as imagens de arquivo que mostram esse “Buda” gentil interagindo no set, brincando com as filhas enquanto preparava cenas complexas, cantando num programa de auditório, entre outras coisas. Francesco Zippel faz claramente uma rica pesquisa nos arquivos do falecido e, a partir dela, busca apresentar um Leone múltiplo, alguém que ao longo da maioria do documentário vai ser revelado ao espectador pela experiência de familiares e figuras importantíssimas do cinema. Chega a ser difícil imaginar a irritação de Leone com a explosão antes do tempo de uma ponte na produção de Três Homens em Conflito (1966), pois o retrato pessoal nos sugere um sujeito absolutamente gentil, além de verdadeiramente apaixonado por filmes e suas mitologias. Aliás, Leone tinha nascido no seio de uma família cinematográfica, filho do realizador Roberto Roberti e da atriz Bice Waleran, figuras importantes do era do cinema mudo italiano. Aliás, dentro das suposições de como se poderia abordar esse protagonista maiúsculo está o prosseguimento do legado paterno e materno. Seria outra proposta interessante. Mas, voltando à variedade das imagens de arquivo, elas estão a serviço da construção de uma condecoração. Zippel as utiliza como linha para costurar depoimentos, assim as submetendo hierarquicamente às entrevistas.
Sim, pois as imagens de arquivo poderiam ser as protagonistas na produção, mas acabam se transformando em elemento de apoio às entrevistas, àquilo que Francesco Zippel elege como o princípio narrativo do documentário. Desfilam pela telona nomes como Darren Aronofsky, Damien Chazelle, Jennifer Connelly, Robert De Niro, Clint Eastwood, Frank Miller, Ennio Morricone, Martin Scorsese, Steven Spielberg, Quentin Tarantino, Giuseppe Tornatore, Dario Argento e Jacques Audiard, para citar apenas alguns dos muitos homens e mulheres escolhidos para reverenciar Sergio Leone. Desses todos, os que dão os melhores e mais aprofundados depoimentos são Miller, Tarantino e Scorsese, pois a partir das falas dos três conseguimos compreender melhor o impacto cultural que Leone teve. Spielberg fala bastante, mas patina um pouco em repetições. Mesmo assim, ele cita a influência que o colega italiano teve sobre os realizadores norte-americano na geração posterior à sua, ainda que termine a sua participação dizendo que Leone é um dos gigantes no qual “subiu” para construir a própria jornada. Muitas falas são elogios um tanto superficiais e cujo valor está, basicamente, na reiteração dessa ideia dos gigantes falando reverentemente de alguém para o reconhecermos também como gigante. Uma entrevista particularmente emocionada é a da Connelly, que chega a lacrimejar em cena.
Sergio Leone: O Italiano que Inventou a América é um bom ponto de partida para quem deseja conhecer a vida e a obra de um dos cineastas italianos mais importantes de todos os tempos, nem sempre colocado nessa prateleira olímpica, quiçá por conta da disposição em dialogar abertamente com o público – algo visto por determinados setores historiográficos como vulgar. Em prol da síntese, de abraçar diversos vieses e tentar ao menos apresenta-los em menos de duas horas, Francesco Zippel deixa alguns assuntos vagos e outros sem a devida atenção dentro da tentativa de abraçar o todo. As entrevistas com os filhos de Leone são excedentes, pois, embora ajudem a nos dar a dimensão humana do homem de família, parecem deslocadas e entrecortam de modo pouco efetivo linhas de pensamento que estavam sendo desenvolvidas – o que pode ser atribuído à montagem de Michele Castelli e Christian Lombardi. Como se trata de um documentário produzido pelos filhos de Leone, parece que eles cavaram um espaço a fim de aparecer em cena e proferir trivialidades saudosas sobre o pai. Zippel também foge de certas polêmicas, como o processo de plágio que Leone respondeu por Por Um Punhado de Dólares (1964) – a refilmagem não autorizada de Yojimbo: O Guarda-Costas (1961). Isso reforça a ideia do tributo típico que escapa à qualquer controvérsia que possa arranhar a imagem do ídolo. Mas, entre mortos e feridos, temos uma homenagem cheia de ternura a esse verdadeiro gênio.
Filme visto durante a 10ª 8 ½ Festa do Cinemas Italiano, em junho de 2023
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