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Sinopse

Sérgio Bustamante, cantor de 83 anos de idade com mais de 50 de carreira. Precursor da psicodelia no Brasil e ícone do rock, lutou pelas liberdades em praça pública, se assumiu Serguei e partiu em busca de seu lugar ao sol.

Crítica

Durante a Ditadura Civil-Militar, Sérgio Augusto Bustamante beijou outro rapaz na rua. A polícia veio atrás. Ele foi para casa, com medo, e contou tudo para a sua mãe que ficou horrorizada. “Bem que disseram que você estava com outros garotos”, disse ela. “Culpa da vizinha fofoqueira”, falou Sérgio. A matriarca ainda questionou sobre a namorada dele, por onde ela andava. A única resposta que saiu da boca do filho é que ele queria saber onde andava o menino que o beijou. Serguei: O Último Psicodélico. Talvez não tenha título mais apropriado ao documentário de Ching Lee e Zahy Tatá sobre essa lendária figura do rock brasileiro, que conseguiu ir fundo no imaginário popular. Ainda que com alguns defeitos, o longa-metragem dá uma boa ideia de como funciona a personalidade do eterno jovem, agora com 84 anos.

Com intervenções sobre a história de Serguei, a maioria de meninas vestidas com os trajes mais típicos de roqueiros (jaqueta de couro, botas, shortinho, até em cima de motocicletas), intercaladas com depoimentos de colegas de música, familiares e entendidos do assunto, o filme se propõe a homenagear essa figura emblemática. Não que tais aparições que explicam pouco mais da biografia do retratado sejam totalmente desnecessárias, mas, volta e meia, elas se perdem na montagem, tão rica em material de arquivo. Por conta disso, o longa se torna levemente enfadonho quando as garotas aparecem em cena, já que o melhor fica, é claro, com gente como Frejat, Alcione, Ney Matogrosso, entre tantos outros, confidenciando fatos sobre a vida de Serguei que talvez nem todos conheçam ou lembrem.

É claro que o famoso caso de amizade intensa (e por que não amor?) entre Serguei e Janis Joplin é lembrado. Alcione introduz e explica alguns detalhes do primeiro encontro, mas é da boca dele que as palavras tomam outra forma. Serguei parece um eterno apaixonado, grato pelas pessoas que passaram por sua vida, tanto para o bem quanto para o mal. Nem seu falar desbocado depõe contra essa impressão. Ele pode falar todos os “merda”, “caralho”, “puta que pariu” e o que mais for preciso. Mas é tudo tão natural que chega a ser impressionante como aquele rapaz das fotos e vídeos de arquivo, tão esfuziante, tão seguro em tirar a roupa (ou ficar pelado por baixo de um traje transparente em um show, como ele mesmo conta), tão “cheguei chegando” possa apresentar camadas doces em contraste às declarações polêmicas. Afinal, quem não se lembra que o próprio clama ser pansexual?

Porém, o que desnuda de verdade a personalidade do roqueiro é ele mesmo. Serguei pode parecer um excêntrico aos demais. Um louco para a maioria. Até mesmo um anárquico, como frisa Erasmo Carlos. Porém, em suas falas, por mais sem sentido que possam parecer de início, se percebe um homem à frente do seu tempo, mais que a maioria das pessoas, com suas raízes profundamente marcadas por culpa católica, educação moral e cívica nas entranhas. Lá pelas tantas há uma cena explícita de sexo oral com outro homem, um modelo. Tem também o próprio artista brincando com seu pênis na praia, sem o menor pudor e, ao que parece, sem grandes malícias também.

Afinal, Serguei não é apenas um quebrador de regras, seja na época de seu auge ou hoje, já com mais de oito décadas nas costas. A fama de outrora não lhe garantiu uma boa vida de luxos, mas sua convicção e suas crenças permanecem inalteradas. Nem mesmo suas roupas, seu cabelo, seu estilo, mudaram com o decorrer dos anos. Por baixo de toda a casca que pode amedrontar quem não suporta o diferente, há uma alma extremamente doce e gentil. Não à toa o choro ao lembrar-se do pai, figura tão marcante em sua vida. Nem os abraços, beijos e carinhos que ele dá sem cerimônia em alguns dos convidados do documentário. Não há grandes papéis a serem defendidos perante as câmeras. Se sim, talvez esse seja o melhor ator de todos os tempos. Ao que parece, o último psicodélico é, também, o último sentimental. E que bom seria se houvesse mais desses por aí.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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