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Sinopse

Antônio, cineasta de classe média, passa por uma série de encontros com pessoas como Irene, sua amiga de longa data; Álvaro, seu namorado; Matias, um rapaz que vê no metrô e com quem se envolve sexualmente, entre outros conhecidos e desconhecidos. Essas reuniões o afetam e revelam aos poucos um jogo de tempos que mistura vida e processo de criação, presente e memória.

Crítica

A ideia é boa. Brincando com documentário e ficção, Caetano Gotardo se colocou no centro das atenções ao aparecer também como protagonista do seu segundo longa como realizador: Seus Ossos e Seus Olhos. Ao duplicar diálogos e até sequências inteiras, alterando contextos e cenários, ele propõe ao espectador diferentes leituras para as mesmas situações. Afinal, o que de fato importa: o que está sendo dito ou aquilo que é mostrado? E no que tange às relações humanas, o que se passa no interior de cada um é mais ou menos importante do que aquilo que nasce no embate entre duas ou mais pessoas? São questões pertinentes, que seu filme não se exime em investigar. No entanto, inquestionavelmente técnicas, que também fazem parte do conjunto e complicam o trabalho de fruição da obra como um todo. Assim, entre muita ambição – o que é bom – e a falta de um certo distanciamento crítico – o que é complicado – chegamos a um resultado não mais do que irregular.

Logo no começo, um rapaz está na calçada, ao telefone, à espera de uma amiga. Na verdade, apenas finge estar conversando com alguém – ou seria uma simulação prévia de um diálogo que terá que acontecer no futuro? Quando os dois se encontram, sobem ao apartamento dela e fazem o que dois amigos costumam fazer ao se verem após muito tempo afastados: desabafam. Ela fala de um ex-namorado, ele tenta consolá-la. As posturas de ambos são propositalmente artificiais: é difícil comprar aquele cenário como algo crível. Ele escuta o que não se pode ouvir, ela estranha como ele se comporta. O desconforto se dá com o ambiente, mas encontra reflexo também na inquietação que ambos – ele, principalmente – percebe em sua existência. Ela sofre por alguém que partiu, um sentimento que acreditava ter superado. Ele parece nem saber o que é isso.

Estamos diante de relações ditas modernas, aquelas em que nada importa muito. Todos são descartáveis, o que hoje é imprescindível, amanhã não tem mais sentido. Mas é fato, também, que não há mentiras envolvidas: enquanto se vive o momento, ele é pura verdade. No instante seguinte a regra pode ser outra. Mas, até lá, o que vale é o agora. Uma conversa escutada ao acaso no metrô pode virar sua verdade no momento mais íntimo. A paixão pelo companheiro dura apenas aqueles minutos juntos, pois assim que alguém mais interessante passar pela sua frente, a mesma será substituída. É tudo muito fluido, e nesse processo realidade e ficção se confundem: o que acompanhamos de fato aconteceu, ou é apenas uma possibilidade? Quando o grupo de ensaios se reúne para cada um abrir seu lado mais pessoal, nos deparamos com personagens ou pessoas de fato? A conclusão, pelo que parece, é mais do espectador do que dos realizadores.

Ao contrário do que fez no comovente O Que Se Move (2013), que partia de uma estrutura similar para ir fundo na emoção, em Seus Ossos e Seus Olhos o diretor e roteirista deixa claro estar mais preocupado com a forma do que com o conteúdo. Agora, ainda mais preocupante é a decisão dele de se inserir na ação, a partir do momento em que aparece também como ator – justo o seu viés mais frágil enquanto artista, digamos. Essas carências ficam mais evidentes quando o mesmo aparece ao lado de intérpretes mais consistentes, como Malu Galli, que mergulha de tal forma na personagem que termina por minimizar os esforços de pouco efeito do colega. E ao oferecer apenas uma outra versão de si mesmo, ele perde a oportunidade de criar algo novo, contentando-se com o redundante, muito aquém do próprio potencial. Tem-se, assim, um filme no máximo curioso, mas ao mesmo tempo disperso diante de um cenário que prometia ir além daquilo que, de fato, entrega.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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