Shang-Chi e A Lenda dos Dez Anéis
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Destin Daniel Cretton
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Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings
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2021
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EUA / Austrália
Crítica
Leitores
Sinopse
Jovem chinês treinado por seu pai para ser seu sucessor, Shang-Chi começa a ter uma perspectiva nova das coisas ao ter contato com o mundo. Rapidamente, ele se vê na posição de rebelde.
Crítica
Com mais de dez anos de estrada, o Universo Cinematográfico Marvel demorou, mas aos poucos começou a demonstrar atenção às minorias. Primeiro foi a comunidade negra (Pantera Negra, 2018), depois o protagonismo feminino (Capitã Marvel, 2019), e agora chegou a vez da população oriental, que é colocada no centro de todos os olhares em Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, longa que, num primeiro instante, até pode parecer partir de uma postura oportunista, como se fruto de um desejo de preencher toda a cartela de necessitados, mas logo se confirma como uma investida sólida e pertinente. Afinal, não se trata de nenhum novato – Shang-Chi é um herói que, nos quadrinhos, habita histórias ao lado de personagens como Capitão América e Viúva Negra desde os anos 1970 (quando se tornou conhecido como o Mestre do Kung Fu) – e é apresentado agora ao mundo audiovisual por meio de uma estrutura bastante sólida, unindo tradição e costumes com um imenso potencial de novidades e inovação. Não que essa mistura sempre dê certo, no entanto. Ao longo de mais de duas horas, é com satisfação que se percebe que os acertos estão em maior número, ainda que deslizes volta e meia se manifestem.
Isso porque a base das principais complicações que uma reflexão mais apurada a respeito da estreia de Shang-Chi no UCM irá encontrar está justamente no roteiro que Dave Callaham (o mesmo dos desastres Mulher-Maravilha 1984, 2020, e o recente Mortal Kombat, 2021) e Andrew Lanham (dos melosos A Cabana, 2017, e O Castelo de Vidro, 2017) escreveram em parceria com o também diretor Destin Daniel Cretton (do independente Temporário 12, 2013, e do protocolar Luta por Justiça, 2019). Pra começar, eles partem de uma questão que parece ser uma primazia quando se trata dos heróis Marvel: um conflituoso relacionamento entre pai e filho. Pois assim como Homem de Ferro, Thor e até mesmo Homem-Aranha (seu tio Ben era um pai adotivo, certo?), Shang-Chi também precisa lidar com a sombra de uma figura opressora e poderosa: no caso, um supervilão dono dos tais Dez Anéis do título, artefatos mágicos que lhe conferem dons especiais, como uma força descomunal, habilidades fora do comum e a capacidade de se tornar, praticamente, imortal. Vencer essa imagem, superar as expectativas paternas e escolher seu próprio caminho é tudo o que o rapaz pode ansiar, mas tais conquistas não serão fáceis de serem alcançadas.
A confusão começa a se estabelecer a partir das muitas linhas temporais expostas pelo roteiro. Há o passado e o presente dos pais de Shang-Chi, que revelam tanto como os dois se conheceram e como acabaram separados, como também o antes e o agora do próprio protagonista, até chegar no ponto que explica como o garoto conseguiu fugir do que o patriarca havia pensado para ele. Tais desdobramentos não se dão de forma linear, e incluem ainda a inclusão de uma irmã igualmente traumatizada e uma melhor amiga que serve não apenas como alívio cômico, mas também surgindo em auxílio quando menos se espera. Há idas e vindas que não chegam a se justificar – por quê o pai manda capangas atrás dos filhos, quando a presença dos mesmos mais atrapalha do que contribui com seus planos? E qual a razão de um labirinto de entrada secreta quando qualquer um parece conseguir acessá-lo no momento que lhe for mais conveniente? – e estas perguntas perseguirão mesmo os mais motivados da audiência. Por outro lado, também incomoda a brusca mudança de tom que a narrativa assume em seu terço final: se até aquele momento havia um clima de pé no chão imperativo, com uma ou outra improbabilidade sendo atenuada por discursos realistas, ao se aproximar da conclusão o enredo abraça o espiritismo e o fantástico sem maiores ressalvas, permitindo a entrada em cena de dragões e comedores de almas, sem que o terreno tenha sido devidamente preparado para tal.
O que viabiliza que tais marolas não provoquem redemoinhos é justamente a coesão do elenco e o bom desempenho de seus atores. Os veteranos Tony Leung (o pai) e Michelle Yeoh (a tia) são tanto força e determinação, oferecendo exemplos de segurança e sutileza mesmo nos detalhes mais discretos. O embate de ambos, não por acaso, é o mais esperado, e representa com propriedade a excelência de toda uma classe de atuação. Por outro lado, Simu Liu (Shang-Chi) é um achado, e mesmo tendo no currículo até então apenas aparições em séries como Orphan Black (2017) e The Expanse (2018), assume a condição de protagonista com tranquilidade. Essa responsabilidade lhe é facilitada por contar, na maior parte do tempo, com a parceria da incrível Awkwafina, hábil em fazer da coadjuvante engraçadinha uma presença essencial, ao mesmo tempo em que evita clichês óbvios, como o interesse romântico ou a moça em perigo. Sem esquecer, é claro, que irá responder por algumas das passagens mais engraçadas, assim como também tensas, de toda a trama. É um time e tanto que se vê reunido, e a sintonia que demonstra enquanto conjunto é eficaz em colocar o todo acima de um ou outro tropeço.
Não se pode esquecer, por fim, a destreza do diretor em encaixar essa história dentro de um contexto já existente. Mais do que meras citações de eventos importantes – como o ‘bleep’ de Thanos, que eliminou metade da população terrestre, e o consequente retorno dos desaparecidos – há conexões físicas, que ligam este filme tanto a títulos badalados, como Homem de Ferro 3 (2013) – em uma sacada genial, que ainda redime o uso de sir Ben Kingsley em cena – e Doutor Estranho (2016), indo até outros quase esquecidos, tal qual O Incrível Hulk (2008). Dessa forma, por mais que se estenda além do necessário – um corte de vinte a trinta minutos faria um bem danado – Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é mais um acerto da Marvel, permitindo novas e excitantes possibilidades, ao mesmo tempo em que reverencia clássicos da mesma linhagem, de Velocidade Máxima (1994) a Duro de Matar (1988), mostrando que, mais do que um subgênero à parte, tais produções fazem parte de um espectro maior. Ao mesmo tempo em que promove um discurso de identificação, empoderamento e diversidade. Pode parecer pouco, mas quem assim avalia, se engana. E se faltavam méritos a serem enumerados, esses devem ser suficientes.
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