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Crítica


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Sinopse

Decidida a deixa o passado para trás, Nomi Malone se muda para Las Vegas a fim de se tornar uma dançarina de sucesso. Para sobreviver após ter sua bagagem roubada, se torna stripper num clube noturno. Depois, como corista no show de um grande cassino, ela passa a rivalizar com uma estrela consolidada.

Crítica

Showgirls virou maldito após boa parcela da crítica tê-lo considerado um fracasso artístico, completa “bola fora” do conceituado diretor Paul Verhoeven. A história da menina que vai a Las Vegas sonhando ascender ao estrelato foi malhada muito por conta das inúmeras cenas de nudez, pela propagada gratuidade de vários elementos, pela dita falta de talento do elenco, entre outras coisas, muitas delas que grudaram no imaginário de parte do público cinéfilo. Contudo, ele não apenas passa muito (mas muito) ao largo da ruindade, como possui rara sensibilidade e qualidades latentes. Um grande filme, que se peca em algo, é em apostar na capacidade do espectador de furar as camadas mais evidentes e prestar atenção nas entrelinhas e sutilezas.

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Existem muitos pontos a se exaltar em Showgirls, e um deles é a forma quase assexuada com a qual esquadrinha o sexo, tratando-o com frieza, mostrando-o como um dos fatores de corrupção numa sociedade naturalmente disposta a corromper. Nomi, a protagonista, sufoca o passado, tentando deixar para trás sua vida pregressa, buscando edificar uma nova personalidade baseada na negação do que foi. Mudar de cidade significa para ela o mesmo que trocar de vida, assumir outras expectativas, joviais possibilidades. Não confiar é uma das lições que Nomi aprende desde cedo, a duros golpes, sentindo na pele o egoísmo humano, este que paradoxalmente vê aflorado a posteriori em suas próprias atitudes destrutivas. O dinheiro e a fama adulteram a menina que desembarca cheia de ideais na cidade da jogatina no deserto de Nevada e, durante o processo de endurecimento ao qual se submete como ônus de suas ambições, acaba por virar uma peça quase voluntária de uma rede de jogos escusos, carentes de elementos básicos como a ética e a moralidade.

Não é fácil construir uma narrativa como a de Showgirls, apostando muitas vezes no kitsch, utilizando signos de difícil controle, como a nudez, a sugestão do poder sexual, sem que se escorregue vez ou outra, ora dotando de glamour excessivo a atividade artística, ora descambando para o típico drama em que a protagonista vira a coitadinha que merece um final feliz. Paul Verhoeven foge dessas armadilhas, munindo-se de personagens que apenas aparentam arquétipos cansados, numa encenação que utiliza o baile dos corpos desnudos como metáfora para uma sociedade oca e opaca, que premia a aparência, o estereótipo e a beleza das carcaças esculpidas, com as mais distintas láureas.

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Showgirls mostra um mundo vazio e apodrecido, num entorno capaz de contaminar quem quer que seja, ainda mais alguém disposto à corrupção como degrau anterior ao sucesso. Num filme de tão rica construção, que exibe a maestria habitual de Verhoeven, diretor que joga constantemente com aparências, ver repetidamente mulheres de corpos esculturais completamente nuas até desperta desejo. Porém, quando há clareza do real movimento das coisas, começa-se a prestar menos atenção nos seios e nos quadris, e mais nos sinais de instabilidade, em várias esferas, que acometem as pessoas, principalmente Nomi. É um filme sobre aparências, e confiar em sua roupagem mais epidérmica, por assim dizer, seu aparente vazio, pode ser um passaporte para não alcançar sua complexidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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