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Sinopse

Psicóloga de sucesso, Sibyl dispensa a maioria de seus pacientes com o intuito de retomar a anteriormente interrompida carreira de escritora. Ela se vê em crise quando uma jovem paciente vem até ela repleta de dúvidas a respeito do que fazer diante de uma gravidez inesperada. Velhos fantasmas passam a assombrar o cotidiano de Sibyl.

Crítica

Sibyl (Virginie Efira) quer mudar de vida. Psicanalista de sucesso, ela está disposta a resgatar algo do passado para renovar-se. Pretende retomar a carreira literária antes interrompida, assim indo em busca do tempo perdido. A cineasta Justine Triet insere na didática fase de apresentação alguns flashes que enriquecem a compreensão da personagem. Exemplo disso, o vislumbre rápido (adiante repetido) dela na reunião de alcoólicos anônimos, cuja função é sinalizar a existência de uma batalha pessoal. Seu marido, Etienne (Paul Hamy), não é acolhedor como o esperado ao ser informado da decisão de largar a clínica bem-sucedida. E isso causa estranhamento imediato. Porém, o desenrolar da trama ressignifica essa resposta aparentemente fria e desestimulante, já que ao se atirar à tarefa da criação a protagonista tende a evocar velhos fantasmas. É algo que o companheiro parece antever, por isso age com reticências. Ele tem medo das recaídas. Felizmente, isso não é explanado em Sibyl. Se trata de uma constatação possível ao longo do desenvolvimento, mesmo que a trama seja marcada pela simplificação de processos emocionais e psicológicos naturalmente complexos. O evento central, que serve de estopim ao conflito fundamental, é o desespero de Margot (Adèle Exarchopoulos), atriz mergulhada num severo estado de crise ao engravidar do colega que namora a diretora de seu filme.

Aos poucos percebemos que Sibyl precisa de certa estabilidade, algo que intimamente persegue por receio de ser engolida pelo próprio abismo. A interação com Margot passa a ser também uma espécie de atendimento emergencial à sua necessidade de sentir-se importante. Contudo, o filme não desenha bem esse fascínio que adia brevemente a tentativa de mudança radical. A falta de inspiração denotada pela folha em branco é o único motivo que pode fazer a personagem principal perder as estribeiras e entrar no jogo infantil da paciente. No entanto, em nenhum momento a realizadora sublinha a impossibilidade como causadora de um sofrimento com tais proporções. A autora se sente duplamente frustrada, afinal de contas deu um passo importante – ao dispensar quase 30 pacientes – sem ao menos ter certeza da consistência de sua vocação? Aliás, o que provocou essa vontade de jogar uma carreira sólida para o alto e tatear o incerto? Pode-se imaginar que as respostas para essas perguntas estejam escondidas na natureza desassossegada da mulher vivida intensamente por Virginie Efira. Entretanto, entre a sugestão carente de elementos e a explicação detalhada poderia existir um espaço intermediário. Mas, o filme varia entre dois polos, ora entregando tudo de bandeja, ora brincando precocemente de esconde-esconde com o espectador. O resultado flutua entre o expositivo e o evasivo.

Fidedignidade à parte, estritamente quanto ao processo psicanalítico, Sibyl está tentando simultaneamente viver da escuta e da escrita. Talvez (já que isso não é investigado) como forma de conciliar ambas as tarefas, resolve fundi-las, nem que isso represente uma transgressão. Ela começa a gravar as sessões de Margot, posteriormente aplicando sem permissão os causos e as neuras no desenho da ficção. Sibyl passa excessivamente batido por esse conflito de ordem ética/moral, achando por bem amarrar os efeitos colaterais da atitude questionável com uma inesperada manifestação de orgulho da mulher que teve a intimidade violada. Enquanto isso, Justine Triet investe num processo simplista de identificação entre a analista e a analisada. Por exemplo, Margot diz não ter certeza se deve abortar. Logo depois, surgem flashbacks da protagonista diante do dilema parecido na juventude. Quando cede novamente aos impulsos autodestrutivos, a personagem de Virginie Efira tem sua atitude imediatamente tipificada como repetição, vide as reminiscências do amor tórrido com o rapaz que não suportou suas inconstâncias. O longa-metragem perde intensidade e profundidade ao incorrer nesse tipo de associação que funciona como bússola. Isso, além da utilização das sessões de análise como mero facilitador, haja vista a tradução dos sentimentos que prevalece nessas ocasiões.

A simplificação também sobressai quando Sibyl vai ao set de filmagem para amparar Margot. Em dois instantes a terapeuta se transforma numa solução praticamente mágica. Solicitada a substituir o ator e mais tarde a diretora, ela consegue o que a câmera precisa, resolvendo com meia dúzia de palavras os problemas que entravavam a continuidade dos trabalhos. Desde que Sibyl teve sua première no Festival de Cannes de 1999, muito se falou do processo de identificação entre Sibyl e Margot como semelhante ao de Persona (1996). Lembrando que no filme de Ingmar Bergman há a fusão metafórica de duas mulheres (não à toa, igualmente uma falante e outra ouvinte) que resulta numa intensa unificação simbólica. Longe de chegar ao menos perto desse efeito complexo, Justine Triet faz algo mais parecido com o visto em O Amante Duplo (2017). Na produção do seu compatriota François Ozon, também a dinâmica psicanalítica trata de autoridade e poder, com o sexo sendo um catalisador. Aqui, a recaída vertiginosa da protagonista é desenhada numa curva decadente previsível, trajeto em meio ao qual os coadjuvantes viram simplesmente funcionais. O marido é o compreensivo; a paciente é a jovem em perigo; o ator vivido por Gaspard Ulliel é o galã incorrigível; a cineasta interpretada por Sandra Hüller é a artista séria. E Sibyl é um vulcão prestes a entrar em erupção – por isso o cenário em Stromboli, na Itália –, mas cuja intensidade é sabotada pela insuficiente amplitude de sua cartografia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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