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Sinopse

Em busca de ganhar dinheiro, o ambicioso Ross Ulbricht decide criar um site para vender narcóticos ilegais sem ser rastreado. No entanto, passa a ser alvo de um agente da polícia que enxerga a possibilidade de uma grande operação.

Crítica

Na maioria das vezes, o que importa não é nem tanto o que se conta, mas, sim, como o relato se desenrola. Afinal, bem se sabe o quão absurda a vida real pode se mostrar, ao passo que, se a intenção for de reproduzi-la tal e qual na ficção, muito precisará inevitavelmente ser atenuado, sob o risco que não se apresentar minimamente crível – por mais que tenha se dado como fato. Essa curiosa constatação se dá diante de Silk Road: Mercado Clandestino, longa escrito e dirigido por Tiller Russell a partir de um artigo jornalístico de David Kushner a respeito da investigação sobre os crimes cometidos por Ross Ulbricht, um jovem norte-americano com fortes tendências anarquistas que acreditou ter tido uma brilhante ideia ao decidir se tornar um traficante de drogas – ou, ao menos, um intermediário de distribuição das mesmas – pela internet. A premissa é tão surreal que se torna um daqueles exemplos que só sendo, realmente, verdade, para acreditar que possa ter acontecido. No entanto, o realizador, ao transpor tal narrativa para o ambiente ficcional, se esquece das devidas adaptações que se impõem pelo método, e como consequência o que alcança é uma trama simplista e quase ingênua.

Tiller Russell construiu a maior parte de sua carreira como documentarista. Apesar de ter atuado como produtor associado de filmes como a comédia Bernie: Quase um Anjo (2011) e o drama Amor por Direito (2015), se tornou conhecido em Hollywood por ter dirigido mais de uma dezena de longas e séries de televisão de cunho documental, investigando desde os bastidores da vida de uma estrela indicada ao Oscar (Inside Out: Juliette Lewis, 2005) como explorando a recente onda de revisitações a grandes casos criminais (Night Stalker: Tortura e Terror, 2021). Dentro desse contexto, Silk Road: Mercado Clandestino surge quase como um alienígena, um estranho simpático cuja missão talvez fosse ampliar o público do cineasta, da mesma forma como deixa evidente a dificuldade do realizador em se abster das amarras e práticas que dominaram maior parte de sua trajetória por trás das câmeras.

Ross Ulbricht (Nick Robinson, que por mais que se esforce por parecer um jovem adulto, continua com cara de adolescente, o que se mostra como um dos primeiros complicadores do projeto) está insatisfeito com a faculdade, com as cobranças familiares e, principalmente, em relação às perspectivas do mercado de trabalho. No anseio pela prometida América “livre e desimpedida”, confunde direitos com deveres e passa a dedicar seu conhecimento profissional não para garantir uma melhor colocação profissional, mas para burlar as regras sociais, na ambição de se mostrar “maior e melhor”. Ou seja, o que busca é um desafio que identifique a “doença da sociedade” (palavras dele) e, através dessas brechas, comprove seu diagnóstico. Encontra isso na deep web e num negócio cuja alta demanda sofre pela constante repressão policial – e social – mas nunca o suficiente para ser encerrada de vez: o consumo de substâncias ilegais.

Geniozinho da informática – um nível de expertise que o filme nunca se preocupa em revelar com maior precisão – Ross primeiro cria uma loja virtual que venda drogas, fazendo uso da suposta segurança oferecida pelos serviços de entrega para garantir que tudo que for comercializado chegue até os compradores sem que nem uma ponta ou outra desse sistema seja identificado pelo governo ou agentes reguladores. Se por um lado tal desenvolvimento parece simplista demais – o que de fato é, pois não há um mergulho suficiente que pormenorize o mínimo para tornar o processo lógico – por outro há um exercício de suspensão da realidade enorme que exige mais do que soa disposto a entregar ao espectador. E isso se mostra com maior força no enredo paralelo que envolve o policial da velha guarda (papel de Jason Clarke, o único em cena que ao menos tenta oferecer algo sólido) que precisa se modernizar com urgência e, quase que ao acaso, se depara com uma descoberta que poderá mudar sua vida – tanto para melhor, como para acelerar o início de um fim há muito anunciado.

Ou seja, enquanto um se mostra um contraventor relaxado e incapaz de mesurar o tamanho da operação que coloca em curso, dando sequência a um castelo de cartas frágil, ainda que supostamente auspicioso, o outro é o velho dinossauro que consegue fazer frente ao que os mais modernos e tecnológicos dos seus jovens colegas não chegam nem perto de alcançar. Tanto uma situação quanto a outra são possíveis – e, de fato, foram, como atestam os registros factuais do episódio – mas para serem comprados como possíveis precisariam estar cercados por elementos que atestassem tal verossimilhança. É justamente nesse ponto que Tiller Russell falha, pois parte do princípio que, se real, nada mais se exige para que a crença se estabeleça – um sentimento que não poderia estar mais equivocado. Assim, Silk Road: Mercado Clandestino faz uso de um ocorrido bastante singular, que mereceria uma justa investigação, mas essa se revela incapaz de sustentar as próprias dúvidas e questionamentos que levanta, justamente por optar por um caminho incapaz de sanar suas necessidades.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
4
Cecilia Barroso
3
MÉDIA
3.5

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