Sinopse
Wilson Simonal nasceu para ser uma das maiores vozes de todos os tempos da música brasileira. E, assim que teve a oportunidade, deixou sua cidade de infância para trás com o objetivo de perseguir esse sonho e concretizar tal destino. No entanto, após anos de sucesso, seus gostos extravagantes e seu temperamento explosivo o colocam na mira do DOPS, a polícia do regime ditatorial brasileiro.
Crítica
Cinebiografias são praticamente um gênero à parte no universo cinematográfico. E é senso comum que há dois caminhos a se tomar a partir do momento em que se decide investir nesta escolha. O primeiro, e mais ambicioso – ainda que mais comum – é aquele formato que vai do início ao fim da vida do homenageado, mostrando desde o seu nascimento até o último dos seus dias. Outro modelo, no entanto, mais arriscado – mas, também, mais preciso – se verifica quando se aponta para um período específico da sua história, partindo daquele momento particular para ilustrar uma personalidade mais complexa e abrangente – ou seja, se vai do mínimo para ilustrar um cenário muito maior. Leonardo Domingues fica no meio do caminho com Simonal, longa que se propõe a narrar, de forma ficcional, a ascensão e a queda de Wilson Simonal, um dos maiores e mais populares cantores do Brasil, cujo sucesso foi tão fulgurante quanto a sua derrocada. E entre o superficial e o mergulho mais profundo, ele entrega um filme bonito, ainda que careça justamente daquilo que o músico tanto se orgulhava: malandragem.
Há virtuosismo na direção de Domingues, mas até que ponto ela está à serviço da narrativa sobre a qual se debruça? A abertura de Simonal, por exemplo, é um longo plano-sequência por uma boate, minutos antes da apresentação de um convidado-surpresa – ninguém menos do que o homem em questão. A referência é quase imediata: afinal, trata-se da recriação quase perfeita de uma das passagens mais emblemáticas de Os Bons Companheiros (1990), clássico de Martin Scorsese. Porém, se o mestre ítalo-americano percorria tais ambientes no encalço do seu protagonista, havia uma intenção muito clara em jogo – revelar tal personalidade de forma imediata e abrir espaço para dúvidas. Nessa versão brasileira, o propósito se perde, e o que encontramos é um cineasta no domínio da técnica, porém sem saber muito bem o que fazer com ela. Este é apenas um exemplo, mas resulta em uma conclusão determinante de tudo o que será visto em cena a partir de então: um visual inebriante, mas onde fica o coração no meio desta matemática?
Wilson Simonal, afinal, era pura ginga e rebolado. Ele fazia o que lhe era proposto, não apenas por reconhecer o que era melhor para si, mas também por acreditar que, no final das contas, os fins compensavam os meios. Em meio a um período bastante problemático do país, era pura alienação, sem nem ao menos sentir culpa por isso. Deixava de lado amigos que não mais lhe serviam, ignorava as vontades da esposa e pouco tempo tinha para os filhos: o que importava era o estrelato, os fãs e as plateias lotadas. Quando a pedra, no entanto, começa a incomodar no próprio calçado, lhe falta a temperança necessária para decidir o que fazer a seguir. Ele é apenas ação e reação. E é por isso que acaba pagando um preço talvez alto demais por um erro que foi mais inconsequência e irresponsabilidade do que má fé. Era um negro, ex-favelado, que estava no topo do mundo. Vítima de racismo? Muito provável. Mas como não se achar invencível, até mesmo intocável, diante de tudo que havia conquistado? Porém, ninguém está sozinho. E assim que se vislumbrou um modo de derrubá-lo, assim foi feito sem chance de redenção. A cobrança por tamanha ousadia veio, e ele não estava preparado.
Domingues tem uma história explosiva em mãos, porém demonstra insegurança a respeito de como melhor explorá-la. A seu favor, conta com um protagonista em pleno domínio do jogo – Fabrício Boliveira não atua, preferindo simplesmente ser Wilson Simonal do início ao fim, assumindo uma composição quase sobrenatural. Dos trejeitos à imposição da voz, ele não chega a sobrepor sua voz à do cantor – a perfeição do original é inimitável – mas recria nos mínimos detalhes uma postura repleta de manha e energia, que cativa em instantes e arrebata pelo conjunto, não oferecendo oportunidades de retorno. Diferente do que fazem seus colegas de elenco, no entanto. A química com Ísis Valverde, tão evidente no primeiro encontro dos dois na tela grande (Faroeste Caboclo, 2013), é algo pelo qual se espera, mas nunca chega a se manifestar – ela está apagada, submersa sob uma personagem problemática que não encontra espaço para ser melhor delineada. Caco Ciocler foi prejudicado pela edição – seu personagem pouco tem a fazer além de desviar de clichês – enquanto que Leandro Hassum nem isso consegue, ainda que tenha o mérito de evitar seu usual histrionismo. Destaque também para Silvio Guindane, que oferece uma garra no olhar que se lamenta não ter sido melhor aproveitada.
Com esse time irregular em cena, Simonal resulta em um filme de altos e baixos, que falha em oferecer sombra ao excepcional Simonal: Ninguém Sabe o Duro Que Dei (2009), documentário que persiste como o olhar definitivo sobre esse artista tão controverso. Com uma edição comportada, que resulta em episódios pontuais entrecortados por longos videoclipes que se ocupam em dar vazão não apenas aos sucessos do cantor – um agrado aos fãs saudosistas – mas também à longas passagens de tempo, tudo termina por resultar apressado, sem o tempo necessário para digerir tantas e tamanhas mudanças. Atropela-se encontros importantes, resume-se culpas – a citação do Pasquim chega a ser irresponsável – e desperdiça-se mais facetas além da mera dualidade entre mocinho ou vilão. Wilson era muito maior do que aqui é possível ser vislumbrado. Talvez, como uma porta de entrada ao seu universo, este longa possa se dizer à altura da tarefa. No entanto, qualquer ambição além do entretenimento passageiro demonstra-se vã, sem o encanto ou a lábia necessários para tanto. Olhou-se para o mito, e esqueceu-se do homem que havia por detrás do que era vendido ao público.
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