Simpatia pelo Diabo
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Guillaume de Fontenay
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Sympathie pour le diable
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2019
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França / Canadá / Bélgica
Crítica
Leitores
Sinopse
Paul Marchand é um repórter francês enviado a Sarajevo para cobrir a Guerra da Bósnia em 1992. Após mais de um ano testemunhando mortes e a inação das Nações Unidas, começa a questionar as limitações do jornalismo e decide pegar em armas para se juntar ao conflito. Baseado numa história real.
Crítica
A linguagem do cinema comporta os conceitos muito distintos de ação e conflito. Quando um personagem se levanta da cama, escova os dentes, toma o café da manhã, pega o carro e vai ao trabalho, ele desempenha diversas ações, porém não possui conflitos, compreendidos como obstáculos à concretização de suas vontades, ou dificuldades e reviravoltas capazes de mudar seus rumos. Se o mesmo homem estiver acelerando o veículo para chegar logo antes no hospital, após receber a notícia da internação de uma pessoa querida, ou conseguir se levantar da cama pela primeira vez após uma longa crise de depressão, estes gestos constituem um conflito importante. Em sua primeira metade, Simpatia pelo Diabo (2019) oferece inúmeras ações, mas nenhum conflito. O repórter Paul Marchand (Niels Schneider) e o fotógrafo Vincent (Vincent Rottiers) se encontram na Bósnia em 1992, cobrindo o sangrento cerco de Sarajevo. Eles correm atrás de notícias, dirigem rapidamente por avenidas perigosas, tiram fotos de cadáveres, gravam chamadas para diversas rádios, participam de conferências da Organização das Nações Unidas. A dupla de franceses se move sem parar, e a câmera os acompanha, tremendo nervosamente de um lado para o outro. O nítido tom de urgência se contrapõe à falta de propósito: o que o diretor Guillaume de Fontenay pretende mostrar, para além da constatação da guerra?
É difícil, neste primeiro momento, se identificar com os dois protagonistas. Eles são descobertos por um ponto e vista externo, tão distanciado quanto frio. Desconhecemos o passado de ambos, suas experiências pessoais no jornalismo, os planos para o futuro e o posicionamento político. Caso possuam esposa, filhos e amigos esperando por eles na França, o espectador não terá sido avisado. Os patrões pressionando pelo envio das matérias, questionando o uso de palavras e imagens, são inexistentes: Paul e Vincent aparentam trabalhar para si próprios, deslocando-se a esmo por onde bem entendem. Jamais veremos as reportagens do primeiro exibidas na televisão, nem as imagens produzidas pelo segundo. Em certa medida, estes jovens se tornam observadores da cidade sitiada, deslocando-se através dos espaços sem sofrerem perigo real. Eles se posicionam ao lado dos tiroteios, chegam a qualquer troca de tiros e driblam a guarda de policiais sem esforços com um suborno de pizza e cigarros. A dupla estaria em busca de um conflito específico, uma informação precisa a respeito do cerco de Sarajevo? Aparentemente, eles se deslocam dia após dia, desprovidos de finalidade. O filme adota um caminho semelhante: poucos filmes de guerra conseguem ser tão livres de tensão, ao menos nesta parte inicial.
Isso porque o drama se transforma radicalmente na segunda metade quando o diretor revela, enfim, seus objetivos. A crônica sobre o cotidiano do jornalismo se interrompe por completo a partir do instante em que o roteiro elege seu protagonista: Paul Marchand, inspirado no repórter real, e baseado no livro autobiográfico. Vincent é abandonado pela narrativa, indecisa a respeito do que fazer com o fotógrafo. Boba (Ella Rumpf), anunciada como intérprete indispensável às negociações, se reduz à função protocolar de “namorada do protagonista”, dando a réplica ao francês e disparando frases encorajadoras deitada na cama do casal. Convertida em interesse amoroso, ela para de traduzir. Abruptamente, Paul é promovido a herói: cena após cena, ele salva um homem doente, arriscando a própria vida para isso; doa sangue; critica os colegas de estilo sensacionalista; denuncia o desperdício de gasolina por parte da ONU; pisa no acelerador para levar uma criança ferida ao hospital. Não há respiro entre essas sequências que ocorrem literalmente umas após as outras. Nesta parte, há conflitos demais para pouca ação.
A história se separa em duas, apontando a discursos opostos: o começo lento cede espaço à ode do martírio. Paul perde a cabeça, porém daquela maneira específica aos heróis incompreendidos em trajetórias idealizadas: ele arremessa equipamentos no chão, grita contra uma editora que pretende atenuar seu texto, berra contra os horrores das mortes. Afinal, ele deseja a verdade, nada mais do que a verdade! O clichê do jornalista sacrificando sua existência em nome de um bem maior é aplicado com força total ao rapaz que, até então, se mostrava apenas um malandro caçando furos de reportagem pelo prazer de fazê-lo. Os atores se viram como podem diante de tão magro material: Niels Schneider se sai melhor na parte realista do que na romantização, já o pobre Vincent Rottiers, um ator muito competente, poderia ser substituído por qualquer iniciante, visto a importância ínfima adquirida ao longo da trama – o papel do fotógrafo teria diminuído na montagem? Já Ella Rumpf encarna a única mulher minimamente relevante em 100 minutos de narrativa – e por isso, joga-se nos braços do rebelde protagonista. Partindo de um modelo próximo ao realismo social do cinema independente, o autor se rende aos códigos do espetáculo norte-americano.
O principal questionamento diante de Simpatia pelo Diabo seria: o que Fontenay e sua equipe têm a dizer a respeito deste conflito em particular? O que trazem em termos de discurso, imagem, pesquisa histórica e associação com o presente? O drama efetua duras críticas à inatividade da ONU, além de lançar uma reflexão morna a respeito do papel do jornalismo face às tragédias internacionais. No entanto, para por aí. A guinada de Paul, cogitando pegar em armas e se juntar ao conflito, morre antes de se desenvolver. O cineasta constrói boas sequências dentro dos veículos, explorando o espaço da cidade e a fotografia fria, enquanto oferece instantes inesperados de violência extrema. Entretanto, estas ferramentas servem à catarse da guerra ao invés de seu debate. Restam poucos questionamentos ao espectador do século XXI quando a conclusão se rende à didática (os letreiros listando o número de mortos e feridos, e indicando os rumos dos principais personagens) e à foto do verdadeiro Paul Marchand, para provar a semelhança entre o ator e o repórter real. O drama se encerra com a promessa de respeito aos fatos. Este seria um belo mérito para um trabalho jornalístico, mas para o cinema de ficção, mesmo aquele baseado em episódios verídicos, a linguagem se torna mais importante do que a mera reprodução do real – já existem livros de História para isso. Entre ser realista e distanciado ou fantasioso e empolgante, o filme não explora a fundo nenhuma das duas vertentes.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 5 |
Francisco Carbone | 6 |
Leonardo Ribeiro | 6 |
Alysson Oliveira | 6 |
MÉDIA | 5.8 |
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