Crítica
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Sinopse
Entusiasta do boxe que sonha com as glórias do esporte, Terry Malloy é convencido pelo mafioso Johnny Friendly a perder propositalmente uma luta. Quando presencia um assassinato, Terry se sente em parte responsável pelo crime.
Crítica
Para entender a importância de Sindicato de Ladrões (1954) na história do cinema norte-americano – e, porque não dizer, mundial -, é preciso entender o contexto da época. Hollywood era conhecida por seus épicos, seus filmes elegantes, retratos filmados 24 frames por segundo da classe mais alta em comédias românticas, dramas históricos ou suspenses recheados de revelações. Alguns cineastas tentavam fugir desta linha, como Charles Chaplin fez com O Garoto (1921) e outros clássicos de seu currículo, mas quando Elia Kazan lançou seu premiado filme, que levaria oito estatuetas do Oscar para casa, pela primeira vez Hollywood se deparava com a realidade nua e crua da classe operária, uma forte influência do neorrealismo italiano que chegava aos EUA.
Filmado boa parte em locações a céu aberto, longe dos grandes estúdios, o diretor contou a história de Terry Malloy (Marlon Brando), um ex-boxeador fracassado que consegue emprego nas docas de Nova York pela influência do irmão, Charley (Rod Steiger), um dos braços direitos do presidente do sindicato da categoria, Johnny Friendly (Lee J. Cobb). Mas Johnny não é tão “friendly” como sugere e lidera a máfia do trabalho local. Quem dedura seus crimes é punido com morte, por isso a lei do silêncio impera entre os estivadores. Porém, após presenciar e ser cúmplice de um destes assassinatos, Terry entra no dilema de delatar ou não o chefe, ainda mais quando se apaixona por Edie (Eva Marie Saint), irmã de uma destas vítimas.
A cena inicial já revela a influência do neorrealismo pós-guerra com o take aberto no cais sujo, onde homens seguem em fila para um barraco. O fato de ter sido filmado em uma época chuvosa e extremamente fria também ajudou na caracterização do elenco, que já contava com figurinos sujos e desleixados, mas ganhava ainda mais força pelo aspecto cansado, maltratado de seus rostos. A fotografia nas locações externas evidencia ainda mais a má situação em que viviam os trabalhadores da época. O próprio roteiro de Sindicato de Ladrões é mais calcado na realidade ao colocar dilemas morais e éticos muito acima de uma guerra entre heróis e vilões. Muitos interpretam este filme como um pedido de desculpas e outros como afirmação do momento que seu diretor viveu dois anos antes. Elia Kazan teria delatado colegas comunistas ao Comitê de Atividades Anti-Americanas liderado pelo senador Joseph McCarty na época da “caça às bruxas”.
Mas é claro que este trabalho todo não teria se tornado tal referência não fosse também graças ao competente elenco reunido e capitaneado, é claro, por Marlon Brando. Com uma carreira em franca ascensão nos anos 1950, o ator faz um paralelo de si mesmo para compor Terry. Perdido numa sinuca de bico entre a verdade e o crime (reflexo também do próprio Kazan), o personagem vai agindo conforme seu instinto, sem saber a quem é leal. Um total anti-herói. A atuação do astro extrapola estes limites, inclusive os da maquiagem - o nariz quebrado e os olhos levemente deformados pela antiga carreira. O intérprete entrega uma performance excepcional, utilizando de toda sua selvageria peculiar ao mesmo tempo em que apresenta uma sensibilidade irrepreensível.
Começando o filme como um valentão que parece não pensar em ninguém, é sua paixão por Edie que o desarma e Brando é mais do que eficiente para retratar a mudança de postura do personagem sem esquecer sua essência. Ele pode continuar na linha “macho man”, mas nem por isso deixa de lado uma certa doçura com sua amante, ainda mais em momentos como a caminhada pelas ruas. A luva de Edie cai no chão, ele recolhe e, de forma delicada, fica um tempo com o acessório em mãos enquanto conversa com a garota. Porém, a cena em que Terry está com seu irmão Charley em um táxi, sendo levado para uma emboscada, talvez seja a mais reveladora sobre sua personalidade. Em um diálogo fraternal e sofrido, surgem as grandes atuações do filme – algo que o próprio Kazan fez questão de ressaltar que mal precisou dirigir, tamanha a entrega dos atores em cena. Impossível ficar inerte quando o ex-lutador profere a eterna fala: “Eu poderia ter tido classe. Eu poderia ter sido um lutador. Eu poderia ter sido alguém, ao invés do vagabundo que sou”.
Seus outros colegas de elenco não ficam atrás e e outro destaque é o Padre (Barry Karl Malden) que entrega um discurso emocionante sobre a verdade contra a acomodação e o medo. Uma das obras primas de Elia Kazan, Sindicato de Ladrões é um legítimo exemplar dos clássicos que devem ser revistos. Porém, muito mais que usar de referências ao neorrealismo italiano, retratar uma situação pungente dos EUA (a máfia dos sindicatos) e fazer disto uma alegoria à “caça às bruxas” ao comunismo na época, o filme é um marco do cinema e também a lembrança de um dos maiores atores já vistos no cinema. E tem o grande mérito de ter um dos melhores finais já vistos na história das telonas. Inesquecível.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Matheus Bonez | 10 |
Robledo Milani | 10 |
Daniel Oliveira | 8 |
Ailton Monteiro | 8 |
Ticiano Osorio | 9 |
Bianca Zasso | 9 |
Chico Fireman | 10 |
MÉDIA | 9.1 |
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