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Crítica


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Sinopse

Buster Moon e sua trupe se tornaram um sucesso garantido em sua cidade. Mas quando uma olheira famosa afirma que o grupo é fraco demais para se apresentar nos grandes palcos, o produtor decide provar que estão errados. Ele bola um plano para encontrar um grande empresário musical e provar o seu valor. Quando recebem a oportunidade, Buster, Rosita, Ash, Meena, Gunther, Johnny e seus amigos precisam desenvolver um gigantesco musical de ficção científica. Pior do que isso: eles têm a tarefa de incorporar ao elenco o famoso roqueiro Clay Calloway, que abandonou a música e não sai de casa há quinze anos.

Crítica

Em termos de estrutura, esta sequência abraça as ferramentas mais conhecidas das franquias hollywoodianas voltadas ao público familiar. 1) Repita o conflito central, em proporções maiores: se antes precisavam cantar num teatro local, agora os animais se confrontam aos palcos de uma gigantesca estrutura artística. 2) Mantenha todos os personagens centrais, acrescentando um ou dois como novidade, no caso, o roqueiro recluso Clay Calloway (voz de Bono Vox) e a adolescente Porsha (voz de Halsey). 3) Leve a trupe a novos cenários e cidades, em chave turística, onde precisarão se confrontar às diferenças culturais, mantendo-se fiéis a suas identidades sem caírem na tentação de se assimilar à maioria. Está lançada a premissa de Sing 2 (2021), animação tão preocupada em condensar o máximo possível de canções pop do momento quanto despreocupada em fornecer alguma forma de atrito ou invenção. Trata-se de um cinema de reconforto, e também de uma obra de sustentação, do tipo que conserva a marca, estabelece uma franquia de provável sucesso comercial e reafirma o potencial técnico dos animadores da Illumination (o estúdio por trás dos Minions). É curiosa a sensação de encontrar uma estrutura de produção capaz de voar muito alto, mas que se contenta em permanecer naquele limite razoável estabelecido para si mesma. 

Uma vez selecionados, contra todas as expectativas, para apresentarem um musical de ficção científica a uma plateia de milhares de pessoas, os bichos cantantes enfrentam problemas distintos. A montagem paralela tenta acompanhar os dilemas de cada um: o gorila Johnny (Taron Egerton) tem dificuldade em executar a complexa coreografia dos bailarinos; a porca Rosita (Reese Witherspoon) corre o risco de ser retirada do espetáculo devido ao medo de altura; a tímida elefanta Meena (Tori Kelly) se confronta ao primeiro beijo cênico; e a roqueira Ash (Scarlett Johansson) precisa convencer Clay a participar do show. Numa duração próxima a duas horas, o longa-metragem se aproxima da linguagem das séries de televisão, acompanhando múltiplos conflitos individuais no interior de uma estrutura única. Para um projeto intitulado Sing, canta-se pouco desta vez: as preocupações são da ordem da autoestima e da produção do musical. Nenhum personagem será questionado por suas capacidades vocais, nem comparado a adversários de dotes mais expressivos. Exceto por uma divertida sequência inicial, e pela apresentação durante o clímax, a parte intermediária se resume à aventura de colocar a pequena trupe à frente de um projeto para o qual não está pronta. As canções se multiplicam na trilha sonora, porém ganham poucas versões nas vozes do elenco estelar.

Felizmente, o diretor, roteirista e ator Garth Jennings possui desenvoltura para o humor de situação e as gags visuais. A comédia depende pouco dos diálogos, preferindo brincar com o gigantismo do teatro, as roupas extravagantes de uma lagarta idosa e o aspecto cafona da sala de reuniões. O discurso ridiculariza este mundo empresarial preso às torres gigantescas e espelhadas, com seus elevadores panorâmicos, estampas de animais selvagens e iluminações neon. A caracterização assumidamente kitsch se encarrega de parte considerável da diversão, devido à proximidade da trupe de Buster Moon com algum número extravagante de The X Factor ou da competição Eurovision. A sensação de desconforto e não pertencimento surge do embate entre a adolescente de jeans e moletom precisando usar roupas de princesa intergaláctica, e a mãe de dezenas de porquinhos incumbida de voar entre planetas, presa a um fio no teto do teatro. O cineasta possui plena consciência de que a diversão decorre do prazer simples de testemunhar animais selvagens interpretando versões de canções pop, símbolos de artifício e modernidade. Assim, uma lesma interpreta Hotline Bling, de Drake; uma antílope de longas mechas brancas apresenta sua releitura de Hello, de Adele, e três singelos pintinhos levam aos palcos The Real Slim Shady, de Eminem. Bichos considerados dóceis e pequenos se encarregam do hip hop, já os brutamontes soltam a voz em doces baladas românticas. Brinca-se com a inversão de proporções e a subversão de expectativas.

Em contrapartida, os rumos da aventura são previsíveis até demais: os medos da dança, da altura, do beijo e de retornar aos palcos se resolvem magicamente quando os personagens se encontram sob os holofotes. A estrutura atrapalhada dos cenários se resolve às pressas, os improvisos funcionam à perfeição, os adversários são impedidos de sabotar os planos dos heróis, e coadjuvantes sem função real na trama surgem apenas para ajudar os protagonistas (os filhotes de porco, o pai gorila e seus colegas). Conflitos insolúveis à primeira vista desaparecem sem grandes esforços, num gesto que valoriza a superação de obstáculos, a crença em si, o poder transformador da arte, a amizade acima dos interesses financeiros. Para a nação obcecada pelo sucesso pessoal através do consumo, chega a ser irônico que uma parcela expressiva dos vilões de blockbusters seja representada por empresários gananciosos, que preferem o dinheiro às amizades. A estrutura de morais e valores se mantém. “Dedique-se aos amigos e familiares, aos afetos e aos seus sonhos, ao invés de pensar no dinheiro”, afirma o projeto caríssimo, cuja existência decorre dos US$ 634 milhões obtidos pelo primeiro filme, visando repetir os lucros do anterior em chave artisticamente segura. Não há problema em se buscar a rentabilidade, embora soe irônico o discurso do desapego material e dos afetos em primeiro lugar.

Sing 2 se conclui na busca por um cinema total, capaz de cativar as crianças pequenas com cenas agitadas e coloridas, e os adultos devido às canções clássicas do pop e do rock (vide o ápice ao som de I Still Haven’t Found What I’m Looking For, do U2). Apela-se aos fãs de musicais devido à apresentação final, e a juventude acostumada aos memes e ao Tik Tok nos rápidos testes iniciais. Trata-se de um filme ansioso para agradar, insistente em cativar públicos variados, fornecendo exatamente o que se esperaria dele — constituindo, neste sentido, o equivalente audiovisual de um confortável e pouco nutritivo fast food. A experiência nas salas de cinema deve encher os olhos, porém a sessão caseira, com luzes acesas, celulares tocando e pessoas conversando pode se adequar igualmente ao estilo ligeiro. Nas vozes brasileiras, resta a surpresa de encontrar um elenco de cantores que jamais são convidados a cantar. Visto que as cenas musicais permanecem no inglês original, de que adiantaria convidar Sandy, Wanessa, Fiuk, Fábio Jr. e Paulo Ricardo para trabalhos estritos de atuação, para além do valor de marketing dessa iniciativa? Wanessa e Fiuk se saem muito bem em sua função, mas nem todos os colegas acompanham o bom trabalho de atuação. Além disso, é difícil acreditar que o timbre doce de Sandy combine com o vozeirão de Tori Kelly na hora de soltar a voz. Ora, estes serão apenas detalhes dentro de um universo onde as incongruências se assumem de maneira despojada, colorida, barulhenta, brincalhona. A saga nunca se levou a sério mesmo. 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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