Sinopse
Em Sing Sing, Divine G é um homem que, embora condenado injustamente à prisão, encontra um novo propósito ao participar de um grupo de teatro com outros presos. A chegada de um novo detento, porém, abala a dinâmica da turma, desafiando todos a sair da sua zona de conforto e, através da comédia, a lidar com seus embates emocionais. Indicado ao Globo de Ouro 2025.
Crítica
Indicado ao Oscar 2025 em três categorias, Sing Sing existe em prol de uma mensagem. A missão desse longa-metragem dirigido por Greg Kwedar é prestar homenagem à Rehabilitation Through the Arts (RTA), organização sem fins lucrativos dedicada à reabilitação de presidiários por meio da arte. Portanto, cada história observada nos bastidores da montagem da nova peça teatral a ser encenada por detentos do presídio de segurança máxima que dá nome ao filme é a parte de um quebra-cabeça. No fim das contas, uma vez completamente montado, ele deverá oferecer uma imagem específica. No caso, a convicção de que a arte pode efetivamente transformar a vida de homens sequestrados por um sistema que teima em os transformar em agentes da dor. Neste contexto, Divine G (Colman Domingo) é o detento mais fervorosamente ligado à arte, vide o seu compromisso com a iniciativa da RTA, a cela decorada por inúmeros livros, a prática regular e apaixonada da escrita, além da seriedade comovente com a qual ele encara os processos acontecendo em meio aos ensaios. Boa parte do elenco principal se autointerpreta, ou seja, é formado por sujeitos que vivenciaram factualmente o ambiente carcerário e, de certa forma, foram modificados profundamente pelo teatro. Sempre buscado sublinhar o quão fundamental é a atuação da RTA, o cineasta faz algo muito bonito, ainda que se aproxime do sentimentalismo.
A premissa é instigante. Homens aprendendo a controlar impulsos agressivos com a ajuda do teatro e, ainda mais, incentivados constantemente a compartilhar suas fragilidades com outros machos ensinados desde cedo que a vulnerabilidade é um problema. Divine G é uma espécie de mentor nesse sentido, o experiente que ajuda o diretor (interpretado por Paul Raci) a se comunicar com os colegas sentenciados quando algo aparentemente está para sair do controle. Em pelo menos duas ocasiões do enredo ele pede educadamente a palavra para traduzir as ideias do comandante no dialeto específico aprendido no cárcere. No entanto, não estamos diante de um filme que acontece a partir de um personagem central, pois, como dito no começo deste texto, ele necessita de certa coalisão de histórias e personalidades para chegar ao desenho de uma imagem que funcione como tributo à iniciativa. Greg Kwedar flerta em muitos momentos com o sentimentalismo, a julgar pelos instantes em que sublinha (desnecessariamente) passagens dramáticas com os acordes lamuriosos de uma trilha sonora que muito ajuda quando não atrapalha. Há diferença enorme entre ser sentimentalista e demonstrar sensibilidade. Quando compreende que a emoção é inerente a determinadas conexões humanas formuladas na história, que não é preciso reiterar as situações naturalmente tristes, o diretor é bem-sucedido.
Sing Sing vai gradativamente diminuindo a relevância da maioria dos coadjuvantes. Uma vez que já utilizou as histórias individuais de cada um deles, o roteiro assinado por Clint Bentley e Greg Kwedar concentra seus esforços principais na bonita relação estabelecida entre Divine G e Divine Eye (Clarence Maclin, que interpreta a si mesmo no longa-metragem). Em princípio parece que haverá rivalidade entre os dois, afinal de contas, Eye chega botando banca mesmo sendo novato, muda a perspectiva da próxima montagem do RTA e ainda “rouba” o papel de Hamlet que Divine G cobiçava numa comédia envolvendo piratas, Freddy Krueger, múmias egípcias e viagens mal explicadas no tempo. No entanto, na medida em que Eye vai baixando a guarda e aparentemente gostando de expurgar demônios do palco, os dois se transformam em amigos. A aproximação entre eles é crescente e passa necessariamente pela capacidade de ambos de tirarem as suas armaduras e mostrar vulnerabilidade. O cineasta não investiga intimamente a mudança de Eye, personagem novato que precisa se integrar à RTA como indício de uma possível redenção, apostando numa conscientização simples. E faz sentido, pois o mais importante ao filme é o painel geral resultante do encaixe de várias peças. Não estamos diante de uma obra que investiga as profundezas de cada homem implicado na montagem da peça, mas em um processo coletivo.
Lançado em 2012, o documentário italiano César Deve Morrer, dirigido pelos grandes e saudosos Paolo e Vittorio Taviani – vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim 2012 – mostrava exatamente detentos de um presídio de segurança máxima encenando Júlio César, de William Shakespeare. Portanto, as semelhanças com Sing Sing são evidentes, ainda que os focos (e os suportes) de ambos os títulos sejam diferentes. A produção documental italiana tinha como objetivo mostrar, em termos filosóficos e existencialistas, a capacidade da arte de resgatar a sensibilidade das profundezas de homens acostumados a tratar o mundo (e a serem tratados por ele) com agressividade. Nesta ficção norte-americana, que flerta às vezes perigosamente com um sentimentalismo sempre capaz de soterrar as nuances mais interessantes das tramas, o importante é mostrar como os indivíduos brutos encontram uma alternativa apaziguadora no teatro, nessa brincadeira séria de colocar a serviço dos personagens as emoções que nem eles próprios acreditavam possuir. Em princípio parece a mesma coisa, mas o filme italiano tem como resultado a melancolia, pois a arte liberta a imaginação de sujeitos que dificilmente encontrarão a soltura física tão cedo. Já no norte-americano, apesar de um sistema quase completamente contrário à humanidade, há ainda fios de esperança nos quais é possível se agarrar. E o trabalho do elenco é tão bonito que compensa quando a trama chega perto de se tornar chorosa e piegas.
Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)
- Deu Preguiça :: Animação dublada por Heloísa Périssé e Tontom estreia em mais de 450 salas. Saiba onde assistir - 13 de março de 2025
- Curta Taquary 2025 :: 18ª edição renova compromisso do evento com as causas ambientais - 13 de março de 2025
- Código Preto - 13 de março de 2025
Deixe um comentário