Siron. Tempo Sobre Tela
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André Guerreiro Lopes, Rodrigo Campos
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Siron. Tempo Sobre Tela
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2019
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Brasil
Crítica
Leitores
Sinopse
O documentário ilumina a personalidade e a arte do grande pintor brasileiro Siron Franco, articulando com liberdade um arquivo inédito com novas filmagens. O filme coloca o relacionamento do artista com seu universo criativo sob a ótica do tempo.
Crítica
Quando Siron Franco aparece em tela, na primeira cena, dissertando sobre o caráter animalesco do ato de bocejar, mesmo o espectador que desconheça o artista terá a certeza de se encontrar diante de uma personalidade singular. Ele segue apresentando sua visão sobre o mundo, a arte, a pintura. Elogia as pessoas “selvagens” como a mãe e a avó. Explica, com a fluidez de uma conversa entre amigos, a decisão de pintar camada sobre camada, a relação com a arte figurativa, os quadros religiosos criados apenas para ganhar dinheiro. Estes trechos são articulados menos pela linearidade histórica do que por uma espécie de fenomenologia do olhar, um estudo sobre a maneira como Siron interpreta a natureza, e como esta análise se traduz em tela. Em determinado momento, ele inclusive sugere uma participação ativa do público (“Meus quadros precisam de você”), enquanto provoca nosso olhar domesticado. “Eu quero te ensinar a ver!”, explica.
Os diretores André Guerreiro Lopes e Rodrigo Campos adotam um caminho interessantíssimo: eles permitem que Siron narre a sua própria história, sem recorrer a especialistas da arte nem figuras próximas do pintor – com exceção de uma rápida aparição de Ferreira Gullar. Assim, evita-se o tom laudatório comum às biografias de gênios da pintura para privilegiar o aspecto de confissão, uma releitura da própria carreira com o devido distanciamento adotado pelo artista. Iconoclasta e extrovertido, Siron nunca se preocupa em sublinhar seus méritos, e tampouco tenta se inserir dentro de um grupo artístico específico. O filme, em paralelo, evita examinar o cenário plástico em que aquelas obras existiram, concentrando-se na relação íntima entre criador e criatura.
Felizmente, os cineastas evitam a estrutura clássica, adotando ferramentas mais instigantes ao olhar, em paralelo com a subversão proposta por Siron. Esta importante adequação entre as formas do filme e da pintura ocorre através da dissociação entre som e imagem (Siron torna-se narrador em off da própria história), a eliminação de marcos temporais (somem os letreiros com datas), as cenas de pintura retratadas de trás para frente (ou seja, as camadas de tinta do quadro pronto desaparecendo, até revelarem a tela em branco) e às pinturas em vidros transparentes, para o espectador acompanhar a pincelada em tempo real – em procedimento análogo ao de O Mistério de Picasso (1956). Se o artista define seu gesto como um “soterramento”, em virtude do acúmulo de camadas de pintura, o filme responde com seu avesso: a arqueologia das imagens.
O resultado é uma fascinante busca pela compreensão do gesto criativo: o que teria levado Siron a pintar desta maneira, de modo tão intenso e febril? Que características em sua vida (a infância, curiosamente, é citada apenas no final) teriam moldado este ponto de vista sobre a religião, a morte, a cultura indígena? Ou seja, como se forma um artista, não enquanto profissional, mas enquanto ser dotado de uma capacidade alheia à maioria das pessoas? Não há respostas claras para estes questionamentos, é claro, porém os diretores propõem uma bela investigação através da psique do artista, situando-se perto de Siron e suas singularidades, sem transformá-lo em figura de exotismo. Esta é a vantagem dos filmes feitos sobre artistas ainda em vida, que podem olhar a si mesmos, confrontando o presente e o passado, reavaliando obras e ressignificando a época em que viveram.
Siron. Tempo Sobre Tela se encerra com a relação cíclica entre arte e artista. Quem domina quem, afinal? “O artista é vítima do desejo de criar”, argumenta o pintor, que se tranca dezenas de horas seguidas no ateliê, pintando e repintando os quadros, de dia e de noite. O ato de criação se torna compulsivo, ao invés de uma vocação ou execução técnica. Até por isso, quando tem a oportunidade de assinar uma obra antiga, Siron não se contém e a repinta, para desespero do proprietário. Em outro momento, afirma que a descoberta das estampas de animais trouxe novo fôlego à carreira: “A onça me salvou”. Nesta complexa relação entre Siron e sua obra, os quadros se tornam figuras humanizadas, mutáveis, e portanto jamais definitivas, contrariando a noção da arte plástica enquanto registro e sintoma de seu tempo. O documentário encanta por reestruturar a hierarquia do processo de criação (Siron não tem condições financeiras de comprar os próprios quadros) enquanto propõe sua versão de forma cinematográfica iconoclasta. Ao final, entre as cenas do avesso e os quadros repintados, cinema e artes plásticas unem-se pelo desejo de remodelar o tempo.
Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 8 |
Alysson Oliveira | 8 |
MÉDIA | 8 |
Adorei o documentário que enfoca momentos da vida desse artista genial “Siron – tempo sobre tela”, um documentário que enfoca momentos da vida desse artista genial. Siron diz que se lembra muito mais de suas pinturas do que de momentos de sua vida, o que não é propriamente verdade. Logo no começo do filme, Siron se define como selvagem e, perguntado por uma criança sobre o que é ser selvagem, diz que “ser selvagem é fazer o que o seu coração pede”. É impossível separar a arte dos momentos da vida desse selvagem, de forma que lembrar de suas obras é um constante reviver e recriar sua vida. Na selvageria de Siron, reviver e recriar possuem sentidos próprios: reviver significa tentar fugir de um labirinto de espelhos, sem qualquer chance de se ver com os mesmos olhos de antes; recriar implica significa criar novas linguagens e técnicas, sem qualquer apego ao passado. O documentário não é linear, como não é o processo criativo – momentos de inspiração, de execução e reflexões são sequenciados sem ordem cronológica, de forma a mostrar ao público como é – ou deve ser – a mente do artista. “Tempo sobre tela”, como diz o nome, é focado mais diretamente nas pinturas, muito embora dê algum destaque para o conhecido monumento às nações indígenas e as camas de concreto que retrataram o horror do acidente radiológico com o Césio 137. O monumento às nações indígenas, aliás, é hoje uma ausência eloquente que demonstra o tempo em que vivemos: as 500 colunas de placas de cimento contendo artefatos indígenas, dispostas no gigantesco formato do mapa do Brasil – monumento feito para comemorar a Eco 92 - foram derrubadas, massacradas, dando lugar a um vazio que só intolerância e ignorância, juntas, conseguem criar. O filme permite intuir algumas das muitas técnicas e elementos dominados por Siron: o artista derrete chumbo, molda com resina, espalha terra, pinta com papel, plástico e tecido. Mas Siron é mais: como um Da Vinci pós-moderno, faz arte dominando computação, incorporando luzes, efeitos e sensações; trabalha com ossos, ouro e redes; desafia a engenharia e mescla elementos inimagináveis, conseguindo espantar e encantar ao mesmo tempo.