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Sinopse

Um tubarão gigante surge no rio Sena, em Paris, França. Para evitar uma catástrofe, a cientista Sophia Assalas terá de encarar tragédias do próprio passado.

Crítica

Eco-Horror? Filme-catástrofe? Estudo de personagens obsessivos assombrados por traumas que levam à vingança? Exemplo do abismo geracional nos discursos dos ecologistas? Início de uma franquia? Sob as Águas do Sena tenta tudo isso, mas acaba sendo nada muito especificamente. A protagonista é Sophia (Bérénice Bejo), líder de uma equipe experiente que monitora a vida marinha numa realidade oceânica bastante degradada pelo excesso de componentes plásticos. Na primeira sequência, ela e seus companheiros investigam o comportamento incomum dos tubarões enquanto se desvencilham de uma montanha de dejetos. O roteiro assinado por Yannick Dahan, Maud Heywang e Xavier Gens (este também o diretor da empreitada) acusa que o aumento dos perigos é resultado direto do comportamento predatório que o ser humano estabeleceu para com a natureza. Sem sutilezas, a julgar pelas imagens das águas lotadas de lixo, o realizador coloca sempre na boca dos personagens aquilo que poderíamos compreender pela observação do contexto: o grande culpado pelas anomalias da natureza somos nós, os seres dominantes. Assim, está pavimentado o caminho para o Eco-Horror, vertente cinematográfica calcada no surgimento de ameaças derivadas de problemas ecológicos/climáticos. No entanto, em virtude da vontade de abraçar outros tantos vieses, essa perspectiva vai sendo enfraquecida.

Se como Eco-Horror Sob as Águas do Sena não vai além da montagem do cenário, como estudo de personagens é não menos superficial. Sophia perdeu o marido e os amigos no passado depois do ataque de Lilith, a tubarão fêmea que eles estavam estudando de perto, cujo crescimento desproporcional pode ser explicado pelas necessidades de adaptação a um ambiente hostilizado pela agressiva ação humana. Mas, Xavier Gens não compreende a protagonista a partir de sua ligação trágica com o animal marinho, perdendo de vista a obsessão que ela poderia ter com a localização do predador que se tornou seu algoz. O filme sugere levemente alusão ao clássico da literatura Moby Dick, no qual justamente a obsessão do marinheiro por uma baleia é a premissa a partir da qual os demais pontos se desdobram. Mas aqui nada disso tem substância, pois não há o desenvolvimento de Sophia nesse sentido comparativo. Seguindo com os apontamentos dos desperdícios dessa superprodução com selo Netflix, o abismo geracional entre os ecologistas tampouco é tratado como ponto imprescindível. Novamente, é um componente citado, às vezes ameaçando se transformar em algo central, mas que não passa de outro item mal aproveitado. Sophia se depara com uma organização de ativistas da geração Z, mas as diferenças entre a sua precaução e a falta de prudência dos jovens militantes é somente a desculpa para mortes tolas.

Xavier Gens freia as tensões geracionais exatamente quando elas pareciam refrescar um enredo moroso e, de certa maneira, previsível. Outro ponto que entra na equação já inchada de tantas abordagens é a displicência do Estado diante dos apelos científicos. Neste caso, a representante da conduta irresponsável dos governantes é a prefeita de Paris interpretada por Anne Marivin. Fazendo pouco caso diante dos apelos dos especialistas para o adiamento de uma prova esportiva nas águas do Rio Sena (infestado de tubarões agressivos), ela simboliza um tipo de conduta infelizmente comum de negacionismo em prol de polpudos interesses econômicos. Mandatário fazendo ouvido de mercador diante do ataque iminente de tubarões? Isso nos remete diretamente ao que acontece em Tubarão (1975), obra-prima de Steven Spielberg na qual a vida dos banhistas é menos importante ao prefeito do que a circulação de dinheiro num balneário repleto de veranistas. No entanto, no longa-metragem francês a prefeita é uma figura caricatural, o que acaba diminuindo a força da crítica social. O que poderia ser um comentário conectado à nossa realidade, infelizmente repleta de administradores públicos que colocam outras pautas acima das questões de ordem ambiental, se torna uma nota de rodapé disputando atenção com os demais assuntos. Tudo precisa ser importante, mas nada de fato é importante.

Na medida em que avança aos tropeções, Sob as Águas do Sena revela a sua tentativa de ser um filme-catástrofe. Utilizando especialistas para “mastigar” as informações ao espectador, Xavier Gens promove uma escalada (sem intensidade) ao cenário tétrico da infestação de tubarões na cidade de Paris, acenando mais à ficção científica do que necessariamente ao horror. Aliás, as cenas de ataques são mal filmadas, montadas a partir do princípio da desorientação visual, com presas e animais se confundindo por conta da métrica de uma colagem frenética. Em vez de construir a tensão e fazer das investidas dos predadores o ápice catártico de uma atmosfera tensa, o realizador não consegue alimentar a expectativa e ainda faz dos momentos cruciais um emaranhado de imagens confusas e pouco efetivas dramaticamente. Antes que este texto acabe, é preciso colocar nas devedoras contas do roteiro e da direção outro componente presente, mas pouquíssimo desenvolvido: as identificações entre os personagens. Sophia carrega um trauma, assim como o policial vivido por Nassim Lyes. E o que acontece a partir dessa conexão? Nada. De certa forma, Sophia também pode se enxergar um pouco na ambientalista jovem interpretada por Léa Léviant, sobretudo por sua energia para salvar o mundo. E o que acontece a partir disso? Nada. Enfim, o resultado é a soma de superficialidades em prol, talvez, da tentativa de criar uma franquia. A julgar pelo sucesso que vem fazendo, não será estranho o anúncio de uma sequência.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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